Poderá pensar-se que vivem sobretudo dos livros, mas será a preservação deste suporte de escrita a melhor forma de assegurar uma contínua relevância social das bibliotecas? Existem análises compreensivas como a de Barbara Mantel, de nome “Future of Libraries”, que são esclarecedoras quanto baste. Não se trata de pregar o último prego no caixão. Com o optimismo de que a tortura dos cortes orçamentais possa atenuar, esperam-se transformações promissoras, à semelhança das instituições onde já se investe no repensar do espaço. A constante, de momento, é tirar partido das tecnologias emergentes e estabelecidas.
O espaço e a missão
Brinquemos às profecias futuristas. No meio académico, os espaços outrora diminutos devido às extensas fileiras (organizadas) de livros, poderão servir, com maior competência e graças ao desaparecimento gradual das estantes, para longas sessões de estudo e de reunião (brainstorming entre utentes sujeitos a ingestão venenosa de cafeína), numa biblioteca mais ampla que encoraja a discussão em grupo e alberga mais gente. Num cenário como este, a informação está digitalizada, pronta a ser partilhada directamente para o e-reader, computador pessoal ou smartphone. Por dedução, os livros impressos estarão nos bastidores, servindo de último recurso até estar tudo digitalizado (os depósitos terão de inventar muito espaço nos próximos cem anos ou começam a haver queimadas). Não menos importante para a gestão, a interacção com os funcionários é breve, e não admira que o trabalho do bibliotecário passe a ter tanto de peritagem informática, como de conhecimento das obras disponíveis na casa.
Mas nem todas as visões de futuro são tão desligadas do contacto humano. Outro caminho que a biblioteca poderá seguir é o de serviço comunitário. Para certas instituições, uma prática corrente passa por um combate activo à iliteracia, ao analfabetismo, bem como por cultivar hábitos de leitura através de um acompanhamento contínuo. A tecnologia mantém-se um elemento chave para o desenvolvimento de actividades que estimulem a leitura, o estudo e aprendizagem. O público-alvo não tem idade estipulada, sendo que, como serviço à comunidade, não pode excluir qualquer um dos seus elementos. No plano português, enquadra-se no âmbito das bibliotecas municipais, carentes de uma reforçada missão social e certamente descompensadas pela falta de investimento. Sendo que as vozes mais críticas se manifestam pela falta de interação humana na biblioteca do futuro, é através desta alternativa que as instituições promovem um sentimento de pertença à comunidade fora do lar privado (poderá discutir-se se este é, ou não, privilegiado em tempos de recessão).
A era de conteúdo digital
Por outro lado, o licenciamento de obras em formato digital para benefício dos utentes das bibliotecas revela-se um jogo de poder. Nesta teia de influência, editoras e autores perdem a batalha em prol da livre circulação de informação. A internet torna impraticáveis muitas das soluções lucrativas que sustentavam os modelos de negócio estabelecidos. O pessimismo poderá levar-nos a concluir que está tudo perdido. Posto de lado o pânico, pensemos nas incompatibilidades gritantes face ao modelo antigo, as encrencas da era digital, que no cerne permite que documentos sejam reproduzidos com exactidão e sem custos adicionais: certas bibliotecas americanas limitam a cedência de obras aos utentes, ou seja, um ebook por pessoa, à vez. Insólito, no mínimo, quando se pensa na facilidade com que se obtém uma alternativa gratuita num sítio que, à partida, oferece wi-fi. A solução não poderá ser a contenção de um meio – a internet – que promove o contrário: a conectividade instantânea, a abundância e a partilha massificada.
A digitalização das obras, bem como a aposta digital em novas publicações, faz parte de qualquer um dos rumos a seguir. O mesmo se aplica à reorganização e aproveitamento de espaço, assim como o reformular do papel social das bibliotecas. O apelo dos bibliotecários, por sua vez, é simples: somos úteis e não nos substituem tão facilmente pelo google ou a wikipédia. Se o modelo editorial do futuro pender cada vez mais para o self publishing, acredite-se ou não, pode passar pelos bibliotecários a tarefa pouco grata de vasculhar pelos milhares de títulos sem certificado de qualidade aparente até encontrar ouro, qual cenário apocalíptico. Visto assim, com um pouco de saudosismo antecipado e contraditório, as editoras nem parecem o papão.
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