A UE está num processo de degradação que eu designo por “queda”. Ele começou em 1992 com a criação de uma UEM que é um dos mais colossais erros políticos da história mundial. Mas só a crise de 2007 fez soltar o veneno oculto dentro da moeda única. Desde essa data, as respostas acentuaram ainda mais o problema. Agora, ou saímos da crise, por cima, através do federalismo, ou saltamos para o abismo da desintegração. Infelizmente, as apostas, neste momento, são mais favoráveis para a segunda hipótese.
Deixámos construir uma UEM com as regras mais ideologicamente neoliberais do mundo. Acabámos com a soberania monetária e cambial, deixando os Estados à mercê dos mercados financeiros (o artigo 123.º Tratado de Funcionamento da UE proíbe o BCE de comprar directamente a dívida dos Estados), e sem termos as condições políticas para suportar choques assimétricos (como se viu). Curiosamente, grandes presidentes do Bundesbank, nos anos 70 a 90, como Karl Blessing e Karl Otto Pöhl chamaram a atenção para a necessidade de ter uma união fiscal e orçamental, bem como um governo europeu com um orçamento razoável, para poder fazer transferências entre regiões mais ricas e mais pobres, antes de avançar para a moeda única. Tinham razão. Kohl, para garantir o seu lugar na história como o reunificador da Alemanha, aceitou a exigência de Mitterrand. O euro foi uma exigência francesa. Uma má ideia, na forma desastrada de que se revestiu…
Portugal não tem alternativa central à Europa, pois é um país europeu. Até Salazar, em 1962, pediu a adesão de Portugal à CEE. Só não entrámos porque De Gaulle se opôs. O que poderíamos ter feito, à luz da situação actual, seria não termos entrado na UEM. Teríamos hoje mais rapidez na recuperação da soberana monetária se tudo se desmoronar. Mas não é isso que eu defendo para a Europa. Neste momento voltar às moedas nacionais seria um processo ainda mais custoso ao nível de coordenação das políticas monetárias e financeiras, do que fazer as reformas federais que trariam a esperança e o emprego de volta à Zona Euro. Se o euro terminar será sempre desordenadamente, com pânico e furor. Será um tsunami sentido em todo o mundo. Por analogia com uma pasta dentífrica, podemos dizer que fazer o euro é mais fácil do que sair dele, tal como tirar pasta de dentro de uma bisnaga é infinitamente mais fácil do que voltar a colocar essa pasta lá dentro….
O que defendo no meu livro é que a moeda única precisa de ser completada com uma união política, que garanta legitimidade constitucional, respondendo perante os eleitores europeus. Com uma burocracia anónima ao leme, ao serviço de uma potência que manda sem liderar (a Alemanha), o euro será mais um perigo do que um activo para o futuro da Europa.
Viriato Soromenho-Marques é Professor catedrático de Filosofia da Universidade de Lisboa e autor, entre outros títulos, do ensaio “Portugal na Queda da Europa”, com edição pela Temas e DeBates/Círculo de Leitores. Para mais informações ver a webpage: www.viriatosoromenho-marques.com.
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