No início do século XXI, grande parte da população da Terra desfruta de uma agradável sensação de segurança, confiante no poder da tecnologia para levar uma vida relativamente confortável. Porém, continuam – e provavelmente continuarão sempre – a ocorrer situações em somos confrontados com a nossa fragilidade, devido a falhas técnicas, pequenos acasos, erros humanos, desastres naturais, ou à combinação de várias dessas alternativas. Luís Francisco deixa isso bem claro, em “Vidas Por Um Fio” (Oficina do Livro, 2021), uma compilação comentada de “situações limite em que a vida levou a melhor sobre a morte – contra todas as probabilidades”.
O autor, que assume ser desde sempre fascinado por histórias de sobrevivência, possui uma vasta experiência jornalística, o que se nota na sua capacidade de cativar os leitores com o dinamismo que imprime às narrativas, levando-os a sentir empatia pelos protagonistas e a vibrar com as suas espantosas odisseias de sobrevivência.
O livro inclui dramas celebrizados pelos meios de comunicação de massas, como o dos mineiros chilenos encurralados no fundo de uma mina em 2010, ou o dos adolescentes tailandeses retidos numa gruta por chuvas torrenciais, em 2018. Em ambos os casos, o mundo comoveu-se e conseguiu resgatar todas as vítimas, graças a enormes esforços de cooperação internacional. Contudo, a maior parte das histórias aqui apresentadas são individuais. Através delas, conhecemos homens, mulheres e crianças que, perante as circunstâncias mais adversas, no mar, no ar, ou em terra, iludiram a morte graças a golpes de sorte, frequentemente combinados com coragem e determinação humanas, ou ainda, segundo alguns, por intervenção divina.
Surpreendentemente, existem “sobreviventes em série” que parecem quase indestrutíveis, como o japonês que resistiu às duas bombas nucleares lançadas sobre duas cidades diferentes do seu país, no final da segunda guerra mundial. Igualmente fascinantes são os fenómenos que expandem as fronteiras do conhecimento, como a sobrevivência da praticante de parapente que, ao treinar para o campeonato mundial da modalidade, foi sugada por uma nuvem de tempestade até altitudes onde a vida humana, em teoria, não seria possível, ficando envolvida em gelo e acabando por aterrar no solo como uma bola de granizo gigante.
A Natureza continua a ser a grande incógnita, capaz de nos oferecer tanto maravilhas como terrores. Um exemplo é o tsunami que varreu o Índico em 2004, até invadir paraísos turísticos, causando a morte a milhares de pessoas e marcando as vidas dos sobreviventes. A força do abalo sísmico que lhe deu origem alterou a forma da Terra, tornando-a mais esférica, acelerou a sua rotação e deslocou ligeiramente a posição do Pólo Norte. Além das lições de perseverança dos protagonistas das histórias, é possível retirarmos desta obra mais razões para admirar e respeitar o nosso planeta, que continua a ter a capacidade de nos fazer sentir pequenos e humildes.
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