“Nunca gostei de ver filmes de terror por causa do sangue falso, das facas de borracha, das personagens que tomam decisões tão estúpidas que eu achava, embora com um sentimento de culpa, que mereciam morrer. Só que o que nos aconteceu não foi um filme. Foi real. Eram as nossas vidas. O sangue não era falso. As facas eram de aço e assustadoramente afiadas. E as pessoas que morreram definitivamente não o mereciam. Porém, sem sabermos bem como, conseguimos gritar mais alto, corremos mais depressa, lutámos mais. Sobrevivemos.”
Ter Stephen King na capa de “Vidas Finais” (Topseller, 2017) – com o subtítulo As Sobreviventes – a anunciar que “chegou o grande thriller de 2017”, é motivo mais do que suficiente para nos atirarmos de cabeça para esta leitura, mas também lhe aumenta a responsabilidade face às expectativas que se colocam.
Quincy Carpenter era uma estudante universitária quando, há dez anos, foi a única a sobreviver a uma chacina numa cabana, o Chalé dos Pinheiros, onde passava o fim-de-semana com amigos. Quincy passou a ser uma “última vítima”, a designação dada à “última sobrevivente num filme de terror”. Aquilo a que assistiu foi “demasiado horrível” para que a sua mente recorde o que aconteceu e é este “vazio na memória” que vai sendo explorado ao longo da narrativa.
Do grupo das “últimas vítimas” fazem ainda parte Lisa Milner, que perdeu nove amigas esfaqueadas na residência universitária onde vivia, e Samantha Boyd, que enfrentou um assassino no hotel onde trabalhava. Até aqui, as três procuravam sozinhas superar os seus traumas mas, depois de Lisa aparecer morta na banheira de sua casa, Sam aparece na vida de Quincy – e nada voltará a ser o mesmo.
Intercalando passado e presente, somos imbuídos na história pela voz de Quincy, que relata na primeira pessoa o seu dia-a-dia enquanto blogger de doçaria, uma vida aparentemente pacata, mas marcada pelo sentimento de culpa, pesadelos e sofrimento que teimam em não desaparecer, nem com a dependência de comprimidos. A chegada de Sam põe a sua vida num reboliço, obrigando-a a reviver o passado e as memórias que reprimiu até descobrir o autor do massacre que persegue a sua vida.
Numa escrita fluída, capaz de gerar incertezas e dúvidas no leitor – tal como estas teimam em permanecer na mente da personagem principal -, a autora Riley Sager consegue gerar a tensão dramática e o suspense desejados num thriller, que se aliam a um final verdadeiramente imprevisível. Longe de ser um livro de terror, “Vidas Finais” joga com a vertente psicológica e com a paranóia que um acontecimento traumático pode exercer. O frenesim mediático que se gera à volta das “sortudas que tinham sobrevivo quando mais ninguém sobrevivera” — “raparigas bonitas cobertas de sangue” —, torna-se a cereja no topo do bolo.
Será possível as pessoas não ficarem presas às coisas más do seu passado? Poderão recuperar e seguir em frente? No final, as palavras de Lisa ecoam nas nossas cabeças: “Não podes mudar o que aconteceu. A única coisa que podes controlar é a forma como lidas com isso”.
Os direitos cinematográficos foram adquiridos pela Universal Pictures e o thriller promete conquistar os amantes da sétima arte, fazendo lembrar “A Rapariga do Comboio”, de Paula Hawkins, e “Em Parte Incerta”, de Gillian Flynn.
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