Foi, no universo da banda desenhada, um dos grandes lançamentos editoriais nacionais de 2019. Resultado de uma parceria entre Zidrou (argumento) e Jordi Lafebre (arte), Verões Felizes é uma série de espírito retro, que assenta nas quase sempre instáveis fundações e dinâmicas familiares, feitas de muito pragmatismo e outra tanta dose de imaginação.
“Verões Felizes 1: Rumo ao Sul! + A Calheta” (Arte de Autor, 2019), o primeiro álbum publicado pela Arte de Autor – já saíram, desde então, o 2º e o 3º volumes -, reúne as duas primeiras histórias da série. “Rumo ao Sul!” transporta-nos até 1973, o ano em que Michel Sardou “infectava” meio França com “La Maladie D`Amour”. Pifé não vive propriamente dias felizes, tanto no que toca a emoções como a andanças profissionais. Ilustrador de profissão, tem entre mãos mais uma história de “Papa Clown”, tendo anteriormente desenhado, de forma algo literal, uma BD intitulada “Os Quatro Braços da Nação” – ou “Four” na edição inglesa -, que não correu mesmo nada bem. Quanto a amores, tem a sua relação com Madô por um fio, tendo ambos acertado o divórcio para quando regressarem de umas férias de família. Com uma comitiva de sete a bordo de uma 4L, na qual se inclui um castor invisível de nome Tchouki – o amigo invisível de Louis, que prefere Lucky Luke a Tintin -, partem “Rumo ao Sul!”, evitando as autoestradas e divertindo-se – as miúdas da família – a trocar elogios como “Miss Biafra” ou “Baleia Obesa”. Pêpete, a caçula, quer crescer depressa, dizendo, sem saber ao que vai, que também quer ter a menopausa.
Quanto a Madô, está farta de vender chapéus, depois gravatas, a seguir lingerie e, agora, sapatos. Relativamente ao marido, tem vindo a perder a fé na sua arte, aproveitando o enguiço para fazer um balanço de vida não muito animador: “A verdade, Pierre, é que sonhávamos com uma vida ao sol e só temos tido direito a alguns tímidos raios”.
Umas férias que apontam claramente à despedida, com muito campismo selvagem e banhos em pelota à mistura, onde parece haver apenas uma regra: a mãe não cozinha. O que significa, claro, um recurso quase abusivo às latas, deixando mais do que tempo para tiradas que poderiam ter sido fabricadas pelo Yoda do Star Wars: “Pai, porque é que as pessoas morrem? Porque é que morrem? Não sei, Louis… Talvez para nos recordar que estamos vivos?…”. Ou, ainda, sobre a importância de não nos deixarmos dominar pelo medo, apontando sempre às alturas: “Porque lá de cima a vista é tão bonita!”.
“A Calheta” recua até ao ano de 1969, dando-nos a conhecer o avô Buelo, pai de Pif, que odeia o facho Franco por este lhe ter roubado a vida e o país. São os tempos de “Four”, o herói com quatro braços, mas também de história repetidas como mantras, que acabam por se tornar no património imaterial da família. Como a história sobre Perde-o-Norte, “uma bússola muito especial, que indica apenas o sul” e que terá, em tempos, pertencido a um famoso pirata. Ou o ritual se se escolher o destino das férias quando se entra na 4L, a que carinhosamente todos chamam de Estérel. Apesar de não conter “nem lutas sangrentas nem conspirações internacionais”, Verões Felizes é uma das grandes séries em publicação nacional, que faz da nostalgia um trampolim para o tempo presente.
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