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“Velhos Lobos” | Carlos Campaniço

Por Cris Rodrigues · Em 11/07/2023

“Solidão é o modo que o destino encontra para levar o homem a si mesmo”. É nas palavras de Hermann Hesse que Carlos Campaniço abre o romance “Velhos Lobos” (Casa das Letras, 2023), para em breve nos dizer: “Como se houvesse luxo mais procurado do que a liberdade de viver sem dono“. Um luxo que, porém, tem um preço, contrariando as palavras de Victor Hugo que prefaciam o romance: “O solitário é um diminutivo do selvagem, aceite pela civilização”.

Na aridez de um Alentejo quente fala-se de pessoas que, a certa altura, abalaram de si mesmas, por verem abalar tantos dos seus, juntamente com a esperança que escasseia como água na planície seca de uma terra profunda e isolada. Uma terra onde os desgostos se enterram fundo, alimentando a ilusão de que não despontem quando menos se espera, tudo inundando com uma tristeza maior que aquela a que já se habituaram e que arranjaram forma de tornar fértil.

“O ódio entre aqueles dois seres foi crescendo como qualquer outro bicho, mesmo sem brigas assinaláveis ou encontros ameaçadores. Aqueles chãos eram mais férteis para sentimentos duros do que para colheitas generosas.”

É de ódio, ciúme e violência que se alimenta a solidão de duas famílias: os Lobo, donos do Monte, e os Velho, fiéis habitantes e protectores do Montinho. Isto numa terra que, apesar de contígua, não podia ter uma fronteira maior: o ódio. Cavado no passado, deixou alicerces de raízes fundas que encurtaram as vistas de todos e minaram muitas sementes.

“Sempre que não continha o desgosto, saía a ajoelhar-se de pernas abertas, enterrava as mãos e falava em murmúrios com os seus mortos dentro do pequeno cemitério que edificara para inumar os seus meninos.”

Carlos Campaniço descreve com habilidade e mestria as gentes do interior profundo, fazendo da ruralidade, bem conservada mas já não incólume, uma personagem maior que as principais, embelezando-a mesmo quando na sua selvajaria lhes retira a humanização necessária.

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“Dizia, para efeito de graça, quem sabia da sua existência do seu suposto estado silvestre, que ele não se dava com as pessoas porque desaprender o mecanismo de articular as palavras; e acontecera que quisera dizer «bom dia», certa vez, e lhe sair um balido como de uma ovelha.”

É neste estado silvestre que encontramos as famílias deste enredo e seguimos: enredados e de joelhos arrasados, afastando o mato rasteiro, as pedras e a sede, apenas satisfeita a conchos rasos de água – que não engordam as barrigas, já prenhes de fome e receios, ou refrescam as cabeças incompletas, traídas e rancorosas, que ainda assim acarinhamos por saber que, naquele lugar, a esperança sarrumou lá fundo, “sempre mais fundo em gavetas e baús do que o papel de forrar”.

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Cris Rodrigues

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