“Há oito dias, a minha vida era feita de altos e baixos. Uns momentos bons. Outros não tão bons. A maior parte, monótonos. Longos períodos lentos em que não se passava nada de especial, com interrupções ocasionais de qualquer coisa. Como o próprio exército. E foi assim que me encontraram. Podemos deixar o exército, mas o exército nunca nos deixa. Pelo menos, para sempre. Pelo menos, completamente.”
Tal como Jack Reacher começa por descrever na primeira página de “Uma Questão Pessoal” (Bertrand, 2016), a turbulência da vida militar nunca o abandona. Apesar do seu paradeiro ser quase indetectável, o protagonista criado por Lee Child acaba por ser arrastado para uma nova missão, comandada pelo Departamento de Estado americano e pela CIA. Tão conhecido pela sua racionalidade e pela distância emocional que coloca em todos os casos que lhe são atribuídos, ficando à deriva pelo perigo constante em cada missão, Jack Reacher depara-se com um assassino cheio de motivos para o eliminar.
A uma boa história policial não pode faltar um início explosivo. Em “Uma Questão Pessoal”, o presidente francês é colocado em perigo devido a uma tentativa de alvejamento. Colocado num “pódio ao ar livre, atrás de painéis de vidro espesso à prova de bala”, é a única pessoa a ver o disparo e a ficar “soterrado debaixo de um aglomerado de seguranças”, devido ao som do impacto da bala. O assunto não geraria tanto barulho se a bala não fosse americana, atirada a quase um quilómetro e meio de distância. Da lista de suspeitos indicados pelo Departamento do Estado e CIA, todas as suspeitas recaem em John Kott, um ex-militar apanhado por Reacher e colocado na prisão 15 anos atrás. Apesar da sua frieza e distância em qualquer caso em que é envolvido, o protagonista acaba por perceber que é o verdadeiro alvo de Kott, à medida que tenta travar um golpe fatal na reunião do G8. Um evento em que todos os chefes de estados estão presentes e que pode ser tentador para qualquer atirador profissional.
Se a um bom policial não pode faltar um início entusiasmante, a um protagonista não pode faltar uma parceira cativante. Aqui, esse papel é atribuído à jovem Casey Nice numa missão em que ambos estão por sua conta e risco ao pisarem solo inglês. Com toda a acção proporcionada por Reacher e Nice, à medida que tentam descobrir o esquema construído pelo atirador profissional, “Uma Questão Pessoal” está construído para ser consumido sem uma leitura prévia de todas outras obras da série. Na acção construída por Lee Child não são necessárias explicações secundárias graças aos pequenos detalhes introduzidos ao longo do livro – como o momento em que Jack Reacher visita o túmulo da mãe em Paris, explicando a Casey um pouco da história da sua família –, com o foco a prevalecer na captura de John Kott.
Jack Reacher é a combinação perfeita de inteligência, destreza, força e paixão que falta a muitos dos protagonistas de policiais, tantas vezes devorados pelos leitores e com um lugar sólido nas listas dos mais vendidos. Se Robert Langdon, o herói de quase todos os livros de Dan Brown, fascina milhões de leitores pelo seu profundo conhecimento de iconografia religiosa e simbologia – aplicado no seu mais recente livro, “Inferno” (Bertrand Editora, 2013), sobre a obra “Divina Comédia” de Dante em equilíbrio com toda a teoria sobre o perigo da sobrepopulação humana –, acaba por lhe faltar força e carisma em certos momentos de acção. Uma ausência de características que também se podem verificar na personalidade do professor Tomás Noronha, protagonista criado por José Rodrigues dos Santos.
Graças ao seu passado militar, Reacher sintoniza a destreza e inteligência e torna-se o verdadeiro herói em todos os momentos. Lee Child consegue, de forma inteligente, colocar o seu protagonista no domínio de todos os momentos-chave e não há ingrediente mais viciante do que um protagonista apelativo.
De uma história feita de intrigas e surpresas, fica a vontade de entrar numa nova aventura de Reacher. Uma vontade que pode ser saboreada com outros livros da colecção e, em breve, com o segundo filme baseado em “Nunca Voltes Atrás”. Se Tom Cruise é ou não uma boa escolha para encarnar o ex-militar, já será uma outra questão a ser discutida.
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