“Apenas aceitar. Sempre apenas aceitar”. Esta frase, que poderia bem ser o ponto de partida para uma campanha contra a violência doméstica e a discriminação, está no centro de “Uma Gaiola de Ouro” (Suma de Letras, 2019), um policial feminista assinado por Camilla Lackberg, uma história sobre engano, vingança e redenção.
Quem tem acompanhado as aventuras de Erica Falck e Patrik Hedstrom, numa série assinada por Lackberg que conta já com 12 títulos publicados – isto se incluirmos “Mord och mandeldoft”, uma espécie de livro extra ainda sem edição portuguesa -, sabe que a autora sueca navega entre o espírito cusco de uma Caras e a acutilância fria de um Morgan Dexter. Se, num momento, estamos a partilhar os pensamentos íntimos e as queixas de cada personagem, noutro estamos diante de um corpo assassinado sem piedade, com descrições pormenorizadas que fazem com que o estômago menos sensível grite por alívio.
Neste “Uma Gaiola de Ouro”, um policial levezinho mas muito bem montado, Camilla apresenta-nos a Faye, uma mulher com uma vida aparentemente tranquila e invejável: um marido perfeito, uma filha que adora e um apartamento de luxo na melhor zona de Estocolmo – ainda que tenha dado um salto de fé e casado com um acordo pré-nupcial que lhe garante zero coroas em caso de divórcio.
Faye era uma estudante promissora, tendo desistido do curso para sustentar Jack e a sua empresa em formação, que ajudaria a erguer para, depois, passar ao anonimato, representando o papel de mulher decorativa e mãe exemplar, uma falsa burra com o único propósito de servir o marido que, aos poucos, se foi transformando num escroque do piorio. Quando se vê trocada por um modelo seu com menos rodagem, Faye vai recuperar um passado feito de tragédia, que a ajudará a construir uma vingança a que não faltará a cereja no topo.
Além de escritora, Camilla Lackberg é, também, uma empresária de sucesso e uma das fundadoras da Invest In Her, empresa de investimentos que trabalha com empreendedorismo feminino e que luta contra as disparidades salariais entre homens e mulheres. Uma bagagem que a ajudou a construir este policial feminista, onde desmonta a ideia que o mundo tem da Suécia, “o país que, em grandes partes do resto do mundo, era visto como uma sociedade de sonho, sem problemas, sem criminalidade, povoado apenas por loiras altas voluptuosas em biquíni, mobilado pela IKEA e cantado pelos Abba”, ao mesmo tempo que recusa o papel tradicional atribuído pela sociedade à mulher, “a experiência de estar dependente de um homem, de ser julgada pela aparência física, o esforço constante para pertencer, agradar”. Se a vingança se serve fria, nada como a Suécia para lhe servir de alimento.
Sem Comentários