Depois do sucesso de “Perguntem a Sarah Gross” e “Os Loucos da Rua Mazur”, vencedor do Prémio Leya em 2017, João Pinto Coelho publicou “Um Tempo a Fingir” (D. Quixote, 2020), o seu terceiro livro.
Nesta narrativa, o autor introduz novidades. Auschwitz já não é o cenário principal, mas sim uma nova geografia: a Toscana. Habitualmente, o leitor percorria as páginas oscilando entre dois tempos e dois espaços. Neste romance, é-nos apresentada uma outra forma de organização temporal, uma narração a duas vozes: Annina, a narradora participante, que vai contando a sua história entre informações verdadeiras ou imaginadas; e a voz de Ulisse, irmão da protagonista, que vai esclarecendo o leitor – “É verdade, a minha irmã não mentiu nem sequer exagerou”; ou, “Afinal, mentiras desculpáveis a somar a tantas outras que Annina deixou por escrito” – sobre a veracidade ou não dos acontecimentos relatados por Annina. Voz de Ulisse que se irá silenciar, avisando o leitor – “E pronto, o preâmbulo está escrito. Se leste nas entrelinhas, já sabeis tudo o que interessa” – antes de regressar no final, no desfecho.
Itália, 1937. É no burgo de Pitigliano que conhecemos Annina Bemporad, uma judia rebelde, que se despede da infância quando acorda a meio da noite com o estampido de um tiro e descobre que se tornou adulta, obrigando-a a trabalhar e a tornar-se uma mulher responsável. Annina confessa ao leitor: “Não gostei de crescer, é verdade. O meu corpo de criança era um casebre acanhado. Incapaz de me mover entre muros tão apertados, sempre tomei cuidado para travar as correrias, sem coragem para romper essas paredes maciças a que se colavam os ouvidos indiscretos de Fortuna e Salomone, (…). Então, para me furtar à sua tirania, apagava as luzes e tornava-me a miúda taciturna que tanto os indispunha”.
Annina, amiga de Alessia, uma lésbica excêntrica, e de Peppino, o homem que monta espectáculos com lixo e amigo dos homens da Resistência, é uma bela rapariga, que gera paixões doentias e ódios desmesurados. Costureira de profissão, ao lado da mãe, amante do marido da patroa e – por circunstâncias da vida – prisioneira dos fascistas, vive num mundo conturbado e hostil, na Itália de Mussolini. Vivências que ampliam o desejo de vingança. Conseguirá cumpri-lo?
João Pinto Coelho habituou-nos a uma escrita intensa, uma viagem à interioridade da natureza humana em contextos adversos, e esta é mais uma leitura a não perder.
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