“Mataram o meu pai numa tarde com muito sol, embora não o tenhamos sabido nesse momento. Ele estava do outro lado do mundo, na selva escura de Angola“. Quem o afirma é um jovem que vive em Havana. Aos doze anos de idade, Ernesto ou Ernestito, como era tratado na família e entre amigos, tornou-se no filho de um herói da pátria cubana, alguém que descendia de um homem que lutara por uma causa justa. Ernesto era agora subitamente o homem da casa e já não só uma criança. Não podia chorar, não como filho do herói, não como posterior adulto descrente relativamente a uma guerra que não defendia, não já na condição de divorciado após Renata, companheira de anos, se cansar de o sentir consumido e absorto por um passado só seu, impenetrável.
Depois de viver consumido pelo desconhecimento do que efectivamente se passara em Angola, mais de trinta anos após a morte do pai, em Lisboa, Ernesto trava conhecimento com um estranho homem, também ele cubano, também ele ex-combatente na mesma época e no mesmo cenário do pai. Evasivo e misterioso, Berto, “o estranho homenzinho“, viria a revelar-se precioso na tarefa que Ernesto encetara, de compreensão do que fora e significara a presença de Cuba em Angola no período pós-independência daquele país.
“Um Lugar Chamado Angola” (Porto Editora, 2017), de Karla Suárez, escritora cubana a residir em Portugal, permite, mais do que a Angola, uma viagem a Cuba num contínuo de informação histórica e política no pós-“Che”. A forma como a família de Ernestito vive a situação do país, encara a morte do pai do jovem e defende ideais que verdadeiramente não entende mas que segue por vigília ao regime e aos valores de Cuba, assume valor histórico e sociológico. Retém-se informação sobre as relações gelo-políticas do governo de Havana com África e o complexo tabuleiro de xadrez que representava a guerra fria.
Quanto mais investigava e escrevia no seu blogue, mais difícil parecia a Ernesto compreender o que se passara, mais reacções recebia, díspares, constatando que “as guerras tinham sempre várias verdades e nenhuma bastante para as justificar“. Até onde ia a própria verdade do pai e do seu desaparecimento, de Cuba e do seu discurso patriótico e ideológico, da sua própria condição de filho de herói, do valor dos ideais e das responsabilidades que lhe estão inerentes?
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