Em “Tudo o que não precisa de saber sobre a vida” (Alma dos Livros, 2023), Jerome K. Jerome instiga-nos a que, cansados de ler os cem melhores livros de sempre, possamos interessar-nos por este seu manuscrito, composto por pequenos textos, pensamentos e emoções geradas pela observação do quotidiano. Num exercício de louvável humildade, espera com os mesmos ajudar quem os leia a alimentar-se com humor e sentido critico relativamente à vida. O ócio, o amor, a depressão, a vaidade, o tempo ou a timidez são alguns dos temas explorados, de forma pragmática e divertida.
A acidez e o cinismo que são ingredientes do típico humor britânico estão bem representados na obra de Jerome K. Jerome (1854-1927), escritor e humorista inglês, mais conhecido pelo diário de viagem “Três homens num barco”, escrito em 1889. Outras das suas obras incluem colecções de ensaios e vários outros romances, tendo o sucesso surgido ainda jovem.
À semelhança de “Três homens num barco”, a actual publicação configura-se como uma das melhores amostras do humor britânico. Ainda que a sua intenção continue a ser escrever um livro sobre a vida, que narrasse episódios do quotidiano, a comédia sobrepõe-se, pressentindo-se fazer parte do seu ADN como escritor – mas também como ser humano.
Nesta visão da vida, a partir de uma vida de burguesia londrina forçosamente enquadrada à época, com laivos de sexismo benevolente e estratificação social vincada, o seu pensamento explora a beleza natural e transversal, enfrentando imprevistos e insólitos. A mensagem, já presente em escritos anteriores, persiste no apelo à leveza da vida, à valorização da simplicidade no conforto, à amizade, ao amor, à companhia dos animais de estimação e ao seu fiel cachimbo, amigo dos dias bons e maus, que nunca lhe aponta defeitos, pede dinheiro ou fala de si, companheiro das horas de ócio, calmante de mágoas, confidente de alegrias e esperanças.
Na vida como na obra, o ideal de vida para Jerome K. Jerome passou por ter alguém para amar: um gato ou um cão e um ou dois cachimbos como companheiros fiéis, o bastante para comer e um pouco mais do que o bastante para beber. Homem descontraído e cortês, Jerome foi um impulsionador de novas ideias e experiências, profundamente aberto à descoberta da vida através das muitas viagens que fez, um pouco por toda a Europa, pela Rússia e pela América. Um homem à frente do seu tempo.
“Tudo o que não precisa de saber sobre a vida” não se destaca pela utilidade da informação dada ou pelo estilo literário, antes pelo pragmatismo e pela simplicidade, sendo um livro leve e humorístico, onde as situações relatadas vão para além da época em que o autor viveu. Longe da perfeição ou da moralidade, são episódios mundanos, com as suas idiossincrasias, repletos de sátira social e de filosofia, que culminam num retrato muito bem conseguido da natureza humana. Uma leitura que dispõe bem e alimenta o sentido crítico relativamente à existência. Como o próprio autor, um livro intemporal.Alma dos Livros, Deus Me Livro, Crítica, Tudo o que não precisa de saber sobre a vida, Jerome K. Jerome
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