“É o terceiro painel do tríptico. Os outros dois, embrulhados em lençóis e de pé contra a parede do estúdio, são quase a mesma coisa, à excepção de variações menores: no primeiro, é a mulher sentada no sofá, e o homem de pé; no segundo, estão ambos sentados. Jim também alterou pormenores na sala; as cartas e fotografias na prateleira da lareira; a cor do gato estendido em cima da poltrona. (…) O quadro é acerca das muitas estradas não tomadas, as muitas vidas não vividas. Chamou-lhe Versões de Nós Dois.”
São as decisões tomadas, triviais ou fundamentais, que dão complexidade a uma vida. Não há nada tão perigoso e desafiante como viver. Serão as pequenas escolhas, tomadas em momentos importantes, tão decisivas para a vida de um ser humano? Utilizando a força das decisões como o motor principal para um enredo – neste caso, para vários enredos –, Laura Barnett faz uma estreia impecável no mundo da ficção com o romance “Três Vezes Nós” (Jacarandá, 2016). Dos anos 50 até à actualidade, o leitor acompanha três versões diferentes da história dos protagonistas, com pequenas alterações que dão origem a diferentes enredos de forma a explorar as carcaterísticas de cada personagem ao longo do livro.
Em 1958, dois jovens estudantes de Cambridge conhecem-se graças ao aparecimento de um cão no caminho de Eva. Enquanto vai de bicicleta em direcção à universidade, Eva desvia-se do animal e acaba por ter um pequeno acidente. É nesse momento que conhece o jovem Jim, a caminhar com “um livro de capa mole da Penguin na mão livre”, – o “Admirável Mundo Novo”, de Aldous Huxley –, matriculado no curso de Direito mas com uma inclinação para o mundo das artes – tal como o seu famoso e falecido pai. Com este acontecimento, alterado em cada uma das versões apresentadas, o leitor é levado por diferentes acontecimentos na vida dos protagonistas. As pequenas decisões tornam-se fundamentais para a linha cronológica de Eva e Jim: numa primeira versão, acabam por se casar e seguem carreiras profissionais diferentes – uma delas de sucesso e a outra acaba apenas por ser medíocre; na segunda, percorrem caminhos pessoais e profissionais completamente opostos e, na última versão, Eva acabará por tomar uma decisão fatal para a recém relação, tendo em conta todo o amor que sente por Jim.
“Três Vezes Nós” pode ser uma moeda, com dois lados distintos, para o leitor. Explorar três versões de uma história de amor é navegar num mar cheio de possibilidades, em que a personalidade de cada personagem, com um foco especial em Eva e Jim, é exposta a todos os níveis. Em diferentes cenários, face a diferentes escolhas, é perceptível a complexidade do ser humano. O romance de estreia de Laura Barnett é um verdadeiro manual sobre as qualidades e defeitos da espécie humana, na forma como as decisões tomadas podem levar um casal para o caminho mais trágico ou brilhante.
Mas, do outro lado da moeda, é exigida uma forte atenção ao leitor. De forma a não se perder na história, há que ter uma boa memória para se recordar de todos os acontecimentos em cada versão, um lado da moeda que pode ser facilmente ultrapassado se a atenção estiver focada na diversidade de cada personagem. Dada a narrativa estar dividida em três partes distintas, a identificação com os protagonistas torna-se fascinante. Ao virar as páginas, a determinada altura, há uma sensação de presença nos acontecimentos relatados – cada vez mais ricos à medida que as personagens envelhecem – que surgem ao leitor. Como se ambos os protagonistas, sem conhecerem as versões da sua própria história, falassem e relatassem ao leitor as suas histórias. Não é qualquer autor que tem o talento e organização para colocar nas livrarias uma obra deste calibre, bem-sucedida em todos os sentidos.
É inevitável não constatar leves semelhanças com o bestseller de David Nicholls, “Um Dia”. Quer esta obra, quer “Três Vezes Nós” não são histórias de encantar. Contêm uma boa dose de realidade, com uma exploração fascinante de ambos os casais protagonistas. Mas não há dúvidas da riqueza desta obra de estreia de Barnett, onde são exploradas novas hipóteses para Eva e Jim: diferentes relacionamentos, profissões e filhos. Um verdadeiro cocktail de hipóteses sobre a complexidade do amor e da vida.
“Três Vezes Nós” é uma excelente aposta da Jacarandá, uma exploração por diferentes momentos na vida de Jim e Eva deixam a sensação de familiaridade no final da leitura. Ao contrário de muitos autores, que não conseguem incluir o leitor nas entranhas mais profundas do seu livro, Laura Barnett inclui perfeitos desconhecidos na sua história: desde o mais jovem estudante, com uma vida inteira pela frente, ao mais velho leitor, com nostalgia e tempo livre na maioria dos casos. Resta esperar pelo próximo trabalho literário desta jovem escritora.
Sem Comentários