Foi como se, de repente, a Caixa de Pandora de Junji Ito se tivesse aberto. Depois de anos e anos sem qualquer livro publicado em Portugal, o autor japonês de mangá de terror viu dois dos seus livros chegarem às livrarias, ambos com o selo da Devir: a “Coleção de Contos Best of Best”, que reúne dez histórias com argumento e desenhos do autor, carregadas de humor negro e sempre a roer o osso de uma costela macabra (ler crítica); e este “Tomie 1” (Devir, 2023), o primeiro tomo de uma série sobre uma jovem imortal que leva os seus admiradores à loucura. Pelo meio, esteve também presente em “Terror na Montanha” (Sendai Editora), livro que reúne 5 contos de Jumpei Azumi, um deles ilustrado por Ito.
“A minha amiga Tomie morreu. O seu corpo foi esuquartejado e encontrado em vários sítios. Parece que ainda não encontraram todas as partes, porque os pedaços eram muito pequenos. O criminoso não foi apanhado, pois não? Que medo”. É com este arranque de fazer arrepiar os pelos dos bracinhos que arranca este volume de Tomie, uma jovem cortadinha em 42 pedaços mas que, tal como a mítica Fénix, tem o poder do renascimento, vendo as suas vidas gastarem-se e renovarem-se como as dos gatos. “Várias Tomie com a mesma cara surgem uma atrás da outra. Até parece a cauda da lagartixa que cresce de cada vez que é cortada”, nota um suado adolescente sem saber o que fazer à vida.
Reconhecida pelos cabelos longos e pela marca de beleza situada logo abaixo do olho esquerdo, Tomie é capaz de despertar a paixão em quase todos os homens com que se cruza, que se vêm levados à loucura pelo amor não correspondido, levando-os a assassinar Tomie em circunstâncias que fariam de Patrick Bateman, o Psicopara Americano de Easton Ellis, um menino. Segundo o pai de Tomie, “para a minha filha os homens são apenas ornamentos. O que mais importa é como os outros a vêem. Não para que seja amada, mas para se amar a si própria ainda mais”. Um cenário narcisista, onde cada morte é assim como ganhar a Champions.
Neste volume que desliza em crescendo, incluindo um médico que poderia ter auscultado Drácula ou uma câmara fotográfica capaz de revelar a alma, somos brindados com um final verdadeiramente épico, onde, tal como o assassino de coração em fanicos, contemplamos mais um falhanço amoroso. Aguardemos, de cutelo na mão, a saída do segundo volume.
Agora que a Caixa se abriu, espera-se que em breve possamos ter edições nacionais para “Uzumaki”, uma obra originalmente publicada em três volumes sobre uma cidade obcecada por espirais, “Gyo”, uma história em que os peixes são controlados por um tipo de bactérias sencientes, ou “Junji Ito’s Cat Diary: Yon & Um”, uma auto-paródia sobre Ito e a sua esposa numa casa com dois gatos.
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