Estão a ver aqueles instantes finais de “The Heights”, tema que encerra o mais recente e recomendável disco dos Blur, rematado com um silêncio que parece soar ainda mais alto do que o ruído que o precedeu? Pois bem, é mais ou menos esta a sensação que ficará com o leitor após a leitura de “Tivemos de Remover Este Post” (Dom Quixote, 2023), um curto e tenso romance assinado por Hanna Bervoets sobre o backstage das redes sociais e o modo a moralidade se tornou em algo fluido, superficial e muito perigoso.
Kayleigh, a personagem principal, está mergulhada em dívidas próprias e herdadas, estado que a leva a aceitar um emprego como moderadora de conteúdos na Hexa, uma rede social. O estranho trabalho consiste em decidir, segundo um manual de procedimentos muitas vezes vago e quase sempre inconsistente, que textos, vídeos ou fotos devem ser removidos da plataforma, fazendo-a mergulhar naquilo que de pior a humanidade é capaz.
“– E então, que tipo de coisas viu?”. A pergunta, que abre este romance, é feita pelo advogado que procurou Kayleigh 16 meses após o dia em que esta saiu da Hexa, tentando juntá-la ao extenso rol de litigantes contra a empresa. Porém, ao contrário dos seus colegas, Kayleigh decidiu não participar do processo, e irá contar-lhe – e ao leitor – as razões para tal, bem como as imagens que desejaria poder esquecer, fazendo um reset à memória: “As imagens que me fazem ficar acordada durante a noite, senhor Stitic, não são as fotografias horríveis de adolescentes a sangrar e de crianças nuas, não são os vídeos com cenas de facadas ou decapitações. Não, as imagens que me tiram o sono são as da Sigrid, a minha ex-colega favorita – a Sigrid encostada à parede, sem forças e com falta de ar -, essas são as imagens que quero esquecer”.
Em poucas páginas, Hanna Bervoets consegue abordar as condições de trabalho a que são sujeitos os moderadores de conteúdos, mas também a forma como as redes sociais e o mundo digital se tornaram no oráculo de muitos, fazendo com que o alheamento, a insanidade e a inverdade – convertidos nas tendências e temas do momento – se tornem mais importantes do que qualquer sombra de empatia, ética ou verdade. Não estranhem se, depois disto, tiverem vontade de atirar com tudo o que é digital e redes às urtigas.
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