“E quem é que te garante que és real? Quem é que te garante que não és apenas uma personagem fictícia no livro de alguém, tal como eu, só que ainda não te apercebeste disso?”
Quem é que nunca se questionou o que anda a fazer aqui? Porque é que fizemos isto e não aquilo? Porque é que fui andar com aquele falhado? Seremos mesmo nós que decidimos a nossa vida, ou somos apenas personagens de um romance de cordel de quinta, uma criação de alguém que não tinha nada melhor para fazer?
E se formos apenas uma personagem ficcional, e tudo aquilo que achávamos ser e conhecer não passe de uma projecção da mente de alguém? Foi isto que aconteceu a Daniel Rebelo, sujeito da classe média com uma família aparentemente comum, um emprego relativamente bem-sucedido em publicidade, alguém que, subitamente, vê o seu mundo pacato desmoronar-se.
Falhada uma desesperada tentativa de suicídio, Daniel parte para a vingança contra aquela que considera responsável pelo descalabro na sua vida. Porém, se Leonor Dutra era uma executiva de sucesso, mãe de família, como é que Daniel a fez refém durante três dias e a assassinou sem que ninguém procurasse por ela? Sem que a televisão noticiasse o seu súbito desaparecimento? E, sendo ele uma pessoa de interesse, como é que a polícia não o quer interrogar?
Daniel João Vieira Rebelo acha que existe, mas afinal não passa de uma personagem no livro de alguém; uma personagem que, agora, tem plena consciência do seu estatuto ficcional, que sabe que tudo aquilo que sempre conheceu, todas as pessoas que fizeram parte da sua vida e todas as memórias que guardou, afinal nunca existiram.
É tempo de a Criação partir para o confronto com o Criador, em busca de agarrar as rédeas do seu próprio destino, com muito sangue, mortos-vivos e intempéries pelo caminho, passando por invasões alienígenas e orgias no meio de avenidas. Afinal de contas, quando se trata de ficção, a imaginação é o limite – ou não?
É esta a premissa para “Tirem-me deste livro” (Letras Lavadas, 2019), a mais recente obra de Diogo Ourique, que através das existências bipolares de Daniel Rebelo, aquela que ele que ele quer viver e aquela para onde o seu autor teima em empurrá-lo, lança a dúvida: Se não existíssemos, tínhamos de ser inventados? Existe algum palhaço que mande no circo que é a nossa vida, ou a culpa é só nossa? Para ler e pensar enquanto se solta umas quantas gargalhadas.
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