Longe vão os tempos em que, passando os olhos pelas livrarias portuguesas, os melómanos mais dados à leitura teriam de se contentar com a colecção Rei Lagarto, casa de gente como Jim Morrison, Jacques Brel, Ian Curtis ou David Byrne. Em anos recentes, as edições nacionais em redor do universo musical têm sido um verdadeiro festim, com livros que vão de “I`m Your Man: A Vida de Leonard Cohen” (Tinta da China), a biografia definitiva e exemplar de um dos mais respeitados, estilosos e fascinantes músicos e poetas de todo o sempre, a “Mais Pesado do que o Céu” (PIM! edições), livro que mistura, de forma soberba, a paixão de um fã conhecedor com o olhar crítico e apurado de um jornalista musical, tudo para nos contar a história de Kurt Cobain. “The Storyteller” (Marcador, 2021), Histórias de Vida e de Música narradas na primeira pessoa por Dave Grohl, é uma biografia com a verve do rock n roll.
“Às vezes, esqueço-me de que envelheci”. Começa assim esta viagem, a que não falta uma boa dose de sentimentalismo, pela vida de um dos nomes maiores da música rock. Alguém que, de um potencial sem-abrigo ou condenado a viver para sempre em casa da mãe, acabou por fazer parte de uma lenda chamada Nirvana, estendendo o estrelato e a capacidade de reinvenção aos Foo Fighters, banda onde se chegou à frente como vocalista, guitarrista e compositor.
Trocando o artifício literário por uma honestidade com laivos de crueza e de ajuda ao próximo, Dave Grohl fala-nos um pouco sobre tudo: a única aula que teve com Lenny Robinson, a 30 euros à hora, onde descobriu que usava as baquetas ao contrário; o primeiro desgosto amoroso, numa adolescência que lhe deixou algumas – muitas – cicatrizes; a adoração por John Bonham, baterista dos Led Zeppelin; a inesperada – mas desejada – digressão com os Scream, que lhe mostrou que a música seria o único caminho a seguir; o épico concerto da perna partida com os Foo Fighters; a aventura Nirvana, onde se inclui o dilema ético do mainstream ou o génio criativo de Cobain; as idas à Casa Branca, já com indumentária a preceito; a educação das filhas, a quem passou o bichinho musical; ou, ainda, fantasmas, ovnis e a crença nas bênçãos transcendentais, que leva Grohl a deixar-nos o seu mantra para a vida: respeitar as raízes e nunca esquecer quem nos amparou e iluminou pelo caminho. Se o Dude do The Big Lebowski escrevesse um livro, provavelmente seria este.
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