Escrita e desenhada pelo japonês Taiyo Matsumoto (n. 1967), a série Sunny começou por ser publicada na Shogakukan`s Monthly Ikki, a que se seguiu, após o seu cancelamento, a transferência para a Monthly Big Comic Spirits. Os seus 37 capítulos foram mais tarde publicados em seis volumes pela editora Shogakukan, entre os anos de 2011 e 2015 – Sunny acabou por levar para casa o Prémio Shogakukan para Melhor Manga em 2016 e, no mesmo ano, o Prémio do Media Rats Festival. A série chegou recentemente a Portugal com o selo da Devir, que fez já chegar às livrarias nacionais os dois primeiros volumes deste mangá que se lê como uma novela gráfica – e que valem bem a pena.
“Sunny 1” (Devir, 2023) leva-nos a conhecer a casa de acolhimento Hoshinoko, onde um grupo de crianças singulares partilha o facto de terem sido abandonadas ou de serem órfãs, gerindo como podem as suas incertezas, medos, inseguranças, ansiedades e breves centelhas de esperança, imaginando que a estadia poderá ser apenas temporária.
Ao estilo de uma juventude ainda não tão inquieta, a galeria de personagens desta história, que parte da própria experiência do autor, é notável: Taro, o idiota da aldeia que grita poesia – versos como “Sulca o mar, atravessa as ondas” – e que tem todo o ar de ser um daqueles fantasmas gelatinosos do Ghostbuster; Kurimaru, o cão que tem de ser passeado duas vezes por dia; um director que, de tão velho, está sempre a dormir – “Parece estar meio morto” é a descrição mais exacta; Haruo, que “todas as manhãs cheira a sua lata de Nivea”, para começar o dia com lembranças de dias melhores – dias que acabarão, muitas vezes, nas turmas especiais, “para onde vão parar os mais estúpidos”. Haruo é conhecido como White por causa do cabelo, e todos lhe auguram um trabalho desonesto e um futuro manhoso; Kenji, que a cada visita ao pai miserável e alcóolico sente as arestas do abandono; o miúdo novo, que “demora 300 milhões de anos a preparar-se”; o neto do director, que permanece uma espécie de lenda para os miúdos; Junsuke, um miúdo com tiques cleptomaníacos que não gosta da rotina matinal – “Quem me dera que a escola explodisse e desaparecesse” -, que colecciona coisas brilhantes e trevos de 4 folhas; ou todos os outros adultos, uns sortudos por não terem de ir à escola.
Quanto a Sunny, trata-se de uma personagem feita de peças e engrenagens. Uma Datsun Sunny 100, uma velha carripana abandonada que serve como um portal de sonhos – como naquele episódio da Teoria do Big Bang em que o quarteto-maravilha faz uma vaquinha e compra uma máquina do tempo. Sunny “move-se com a força do pensamento”, e serve de esconderijo até para revistas de mulheres nuas. As instruções são simples: “Basta fechares os olhos e pensares onde gostavas de ir. E podes viajar para onde quiseres”.
No início de cada capítulo – alguns deles começam com páginas a cores – há sempre uma pergunta, que tanto pode ter o frenesim de uma adivinha, o ar travesso de um enigma ou um diálogo existencialista, numa história sobre os primeiros amores, as paixões não correspondidas ou as mentiras que contamos para nos sentirmos parte de um grupo. E onde, pelo caminho, encontramos verdades absolutas dos tempos de criancice: “Os brócolos não deviam existir”. O segundo volume de Sunny está já disponível nas livrarias.
Sem Comentários