Um suicídio em 14 poemas ou, escrito de outra forma, uma auto-imolação em 14 actos. “Suíte sem vista” (Abysmo, 2018), curto mas cortante livro de Inês Fonseca Santos, convida-nos a partilhar, ao estilo de um voyeur com consentimento, uma suíte de hotel com uma rapariga perigosa, para partilhar das suas muitas angústias, dores, medos e, também, levar com ameaças múltiplas e variadas que só poderão terminar em tragédia.
O objectivo parece ser o esquecimento, de alguém que, a meio da curta travessia terrena, está já “demasiado velha para a fuga”. As paredes falam, as palavras avançam, os dedos e as peles são arrancados como se, com eles, também os pensamentos e as memórias pudessem ser afogados, mas a solidão e a ausência de um corpo trazem o sabor do ferro, que só poderá ser ultrapassado com a vertigem do sangue.
O final chega sob a forma de um enigma, levando o leitor a sonhar, de olhos abertos, com hotéis em chamas e gritos de hóspedes que correm, de pijama, alarmados com o fim do mundo que entrou nas suas vidas tranquilas. Tenham muito cuidado com esta rapariga – e com estes versos que magoam.
“A rapariga possuía metade da vida.
Estava demasiado velha para a fuga:
regulava a temperatura das palavras
como quem copia com os dedos
o tom do coro da missa, em si menor.
A rapariga respirava fundo na suite sem vista, recordava:
a vida inteira, cronométrica, a vida inteira
como quem copia com os dedos o ritmo
da pessoa errada.
Ao lado, o casal demasiado brando,
roupões brancos, lençóis brancos, dedos brancos,
noites bem dormidas.
Dez andares abaixo, passeiam damas na sala para lá e para cá
sob o olhar atento de alguém em algum lugar: a rapariga
adormecida de tédio na suite sem vista, já paga. A rapariga
adormecida de medo sonhando a hipótese, já verificada:
se ao menos ao lado se movessem assim os corpos,
seria de mais demora não tanto a vida, mas o amor.”
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