“Rios gigantes, desertos gelados, taiga sem limites, temperaturas extremas: na Sibéria, a geografia é de uma grande rudeza. A história também, pois fez dela a terra dos condenados e dos deportados, um dos nomes da Dor do século XX. E no entanto é possível encontrar um encanto secreto nesta parte do mundo, que tão bem materializa o velho termo solidão, e que é uma espécie de alto-mar em terra. Foi o que me aconteceu.”
As palavras são de Oliver Rolin, um dos mestres da literatura feita de geografias, retiradas de um livro verdadeiramente precioso: “Sibéria” (Tinta da China, 2016), mais um título da muito recomendada Colecção de Literatura de Viagens que a Tinta da China tem vindo a publicar, sempre em capa dura e um design irrepreensível.
Para Rolin, o encanto por este lugar que não é província ou campo – é, antes, um continente – deu-se desde logo pelo lado gramatical: “Os que não sentem isto é porque ignoram a música das palavras.” Música, aliás, é o que não falta neste pequeno livro, onde Rolin apresenta um retrato geográfico, histórico, meteorológico e social deste ponto geográfico inóspito.
Carregado de poesia e uma imensa cultura – a do autor -, “Sibéria” está preenchido por referências literárias e um apurado sentido de humor, além de nos trazer do frio personagens incríveis – ou de recordar, por exemplo, Olga, uma aluna por quem Rolin se apaixonou “ligeiramente”. Acompanhamos o escritor numa viagem que fez no Transiberiano, entre Imrkutsk e Vladivostoque, com três carruagens alugadas pelos organizadores do ano França-Rússia – e onde os escritores despontavam como cogumelos. Partilhamos o fascínio do encontro com o Amur, esse rio insondável carregado de negrume. Observamos uma caçada e as “vidas talhadas à faca“. Sentimos o cheiro de um elefante num dia de chuva. Damos de cara com uma imensa obsessão por mamutes – essa “espécie de toupeiras gigantes” -, para terminarmos a viagem em Magadan, “um dos grandes matadouros do século XX” – para Rolin “o pesadelo da história inscreve-se numa geografia“.
É também nestas páginas que se encontra um dos parágrafos mais certeiros no que diz respeito às viagens – as verdadeiras, não as turísticas – e à forma como a distância muda quem viaja na sua própria essência: “Afastarmo-nos das origens, distanciarmo-nos tanto quanto possível dos lugares habituais, faz parte das ambições honrosas. (…) Quanto mais estranhos formos, mais nos arriscamos a ser “verdadeiros”.” Sem dúvida, uma das cerejas da colecção com a assinatura da Tinta da China.
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