O inóspito Congo do início do século XX, brutalmente explorado pelo imperialismo belga, serve de cenário a “Sete Casas em França” (Kalandraka, 2018), de Bernardo Atxaga. O livro começa com a chegada do jovem oficial Chrysostome Lyège à base militar de Yangambi, comandada pelo Capitão Lalande Biran.
O Capitão é casado com uma ambiciosa dondoca parisiense, com um apetite voraz pela riqueza – proprietária de seis habitações, tem na mira uma sétima. Todas compradas graças aos negócios lícitos e ilícitos do marido, nos sete anos que leva de comissão em África. Christine escreve cartas atrás de cartas pedindo a Biran que se esforce apenas mais um pouco para que ela tenha aquela sétima casinha.
Homem culto, amigo das tertúlias literárias, Biran é um poeta publicado. No entanto, a poesia não lhe mata todas as fomes. Uma vez por semana, pede ao servil ajudante de campo Donatien que rapte uma virgem nativa para a sua cama – a virgindade serve de garantia contra as terríveis doenças venéreas que o apavoram.
Neste baralho há ainda outra carta, o ex-legionário Van Thiegel, mulherengo e cruel, com a cabeça sempre dividida em duas. O lugar-tenente de Biran sonha em segredo com a mulher do seu Capitão – pretende um dia torná-la a entrada número 200 no seu caderno de conquistas, a que chama pomposamente Mon Histoire Sentimentalle.
A vida em Yangambi não é pêra doce: debaixo de um clima quentíssimo, os impiedosos belgas guardam os escravos locais na produção de borracha e corte de mogno, mantêm os rebeldes congoleses em sentido, raptam e violam jovens raparigas nativas e fazem concursos de tiro ao macaco para passar o tempo.
Os oficiais rapidamente se apercebem de que o recém-chegado Chrysostome tem um feitio diferente: seco como um galho, é um devoto da Virgem Maria, não se ri das piadas dos outros e não embarca nas bebedeiras, jogatanas ou violações rotineiras das nativas. Como se não bastasse, o homem revela-se um atirador exímio, o melhor da guarnição, o que levanta invejas e melindres diversos no sanguinário Van Thiegel. O enigmático Chrysostome tornar-se-á o catalisador de uma imparável espiral de violência e morte.
Bernardo Atxaga é o escritor mais consagrado do País Basco mas, neste livro, afasta-se das temáticas locais, construindo uma narrativa mais ao gosto de García Márquez ou Vargas Llosa. Um livro que se lê de um fôlego.
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