Mestre do terror, rainha do suspense, princesa do calafrio. Títulos e honrarias atribuídas a Shirley Jackson (1916-1965), escritora que, em “Sempre Vivemos no Castelo” (Cavalo de Ferro, 2023 – reedição), nos serve uma história que é como ver as Virgens Suicidas serem alimentadas a cianeto por via intravenosa – e que mostra que o terror pode ser tão extravagante quanto um desfile de moda.
Depois da morte por envenenamento, a família Blackwood – ou o que resta dela – vive em reclusão num castelo, longe da hostilidade dos habitantes da cidade, apenas visitando a urbe para a compra rápida de víveres, onde a cada visita relâmpago reencontra a culpa sussurrada. Na altura da tragédia, as suspeitas recaíram sobre Constance, uma das filhas, que se viu ilibada, “não apenas do acto, mas também da intenção”. Uma tragédia que terá passado por um açucareiro mal lavado e uma aranha com tiques de diabética, mas que por esta altura é águas passadas (ou nem por isso).
Para além de Constance, o castelo é habitado por um curto mas tresloucado universo familiar (além de um gato com nome bíblico): o inválido tio Julian que, depois do festim açucareiro, perdeu pelo menos um parafuso, e que decidiu escrever um livro sobre o dia fatídico – que vai protegendo com unhas e dentes; ou Merricat, uma adolescente aparente ingénua mas decididamente invulgar, que acredita em estranhos fenómenos, palavras mágicas e que antevê que os bons dias estão a chegar ao fim: “Todos os augúrios falavam de uma mudança”.
A previsão começa a desenhar-se com a chegada do primo Charles, que a impotente narradora sabe ser má peça: “Eu já sabia que ele era um dos maus; vira o seu rosto por instantes e ele era um dos maus, aqueles que dão a volta à casa, a tentar entrar, a olhar pelas janelas, a puxar e a espreitar e a roubar recordações”. A partir da chegada de Charles, que se vai instalando como um pequeno ditador, a família Blackwood será obrigada a revisitar o seu momento mais negro.
Shirley Jackson cozinha um thriller em lume brando que termina com fogo-de-artifício negro, num olhar cáustico sobre a família, a vizinhança e as sempre tramadas relações humanas. Os tremores, esses, aumentam de intensidade a cada virar de página, e irão permanecer com o leitor mesmo depois de perceber que não há qualquer corrente de ar a atravessar a sua casa.
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