Em 1979, Italo Calvino, considerado um dos maiores escritores italiano do século XX, escreve “Se numa Noite de Inverno um Viajante” (D. Quixote, 2018 – reedição), um romance com uma arquitectura original: ao longo de doze capítulos, numa estrutura não linear e numa cartografia de cruzamentos e desencontros, de histórias dentro de histórias, de surpresas deliciosas e desprezíveis, temos o prazer de conhecer a personagem principal, o leitor, dotado de uma voz exigente, curiosa e conselheira.
“Estás a começar a ler o novo romance Se numa noite de Inverno um viajante de Italo Calvino. Descontrai-te. Recolhe-te. Afasta de ti todos os outros pensamentos. Deixa esfumar-se no indistinto o mundo que te rodeia. A porta é melhor fechá-la; lá dentro a televisão está sempre acesa. Diz aos outros: “Estou a ler! Não quero que me incomodem!”
Ao longo das várias páginas acompanhamos um jogo entre o “leitor”, a “leitora” e o livro: “Apareceste pela primeira vez ao Leitor numa livraria, ganhaste forma destacando-te de uma parede de estantes, como se a quantidade dos livros tornasse necessária a presença de uma Leitora”. O leitor e a leitora têm como missão ler romances, embora tenham consciência de que “há livros com que simpatizo, e livros que não consigo suportar e que me vêm para sempre às mãos”. Com o leitor os livros cruzam-se uns nos outros, constroem-se mapas com o destino dos livros, os tipos de romance e os géneros literários, com preferências que oscilam entre o mistério, a angústia, a literatura erótica ou a de viagens, entre outras.
O leitor personagem interage com o leitor real. Inquietos, buscam um sentido para a arte da leitura. “Na leitura dá-se qualquer coisa sobre a qual não tenho poder”, dão-se possibilidades infinitas ao leitor real, para que comece e recomece um processo sempre inacabado de novos eus, de novos mundos e experiências.
Ler “Se um Viajante numa Noite de Inverno” é um verdadeiro desafio para o leitor, desafiado a pensar a literatura com a própria literatura, bem como a envolver-se com outros personagens que fazem parte do universo literário, tais como o tradutor, o agente literário, o editor, o crítico literário ou o próprio autor.
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