Susan Sontag (1933-2004), uma das mais importantes intelectuais americanas da segunda metade do século XX, destacou-se como professora universitária, ficcionista, ensaísta e defensora dos direitos humanos, mas foi também uma diarista consumada, que legou à posteridade uma grande profusão de diários e cadernos de apontamentos. Esse vasto espólio tem vindo a ser organizada pelo filho, David Rieff, em livros como “Renascer: Diário e apontamentos, 1947-1963” (Quetzal, 2022 – reedição).
O título parece derivar de uma frase escrita em 1949, quando se conjugam as emoções da partida iminente para a universidade e da descoberta do amor por outra mulher: “Tudo começa a partir de agora – Renasci”. Encontramos nesta fase uma espécie de retrato da intelectual enquanto jovem, dividida entre o apego emocional ao lar e a vontade de emancipação, ao mesmo tempo que se debate com a aceitação da própria homossexualidade.
Algumas situações posteriores também podem ser descritas como renascimentos emocionais e intelectuais. Da aceitação da solidão “como uma bela dádiva” à procura de uma parceria sentimental satisfatória, a autora percorre um caminho tortuoso, que inclui um casamento – do qual resultou um filho –, um divórcio e duas relações complexas com mulheres que não a tratavam da melhor maneira. “Viver com H é sobreviver a um ataque total à minha personalidade”, escreve Sontag acerca de uma das amantes. Felizmente, apesar da ocasional submissão emocional, a autora não perde a capacidade de autocrítica e faz uma análise tocante da forma como a homossexualidade a faz sentir-se mais vulnerável, mas também estimula o seu desejo de se tornar escritora, uma vez que crê poder forjar, através da escrita, uma identidade que a defenda da sociedade.
A par dos aspectos sentimentais, acompanhamos a vida social da autora, repleta de viagens e idas ao cinema, ao teatro, à ópera e a concertos, com a arte a servir frequentemente de refúgio. Como seria de esperar de alguém que escreveu “eu rego com livros a minha mente em branco”, abundam as referências literárias, com listas impressionantes de títulos que já leu ou planeia ler. Entre listas diversas, até de actividades diárias, surgem anotações de ideias para novas obras, sonhos, considerações filosóficas e divagações sobre correntes religiosas.
Mais do que receptáculos de pensamentos privados, nos quais a autora se exprimia assumidamente de forma mais aberta do que com qualquer pessoa, estes diários foram um instrumento de auto-análise que lhe permitiu enfrentar as suas inseguranças e recriar-se, em diálogo consigo mesma, com os escritores que admirava (vivos e mortos) e com os seus leitores ideais. Agora são um recurso incontornável para compreender melhor a sua personalidade complexa, a sua vida e a sua obra.
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