“Não haveria muitos dispostos a pegar-me na mão desde que a necromancia se enraizou dentro de mim. Há um toque de morte nos meus dedos.”
O jovem que jurou vingança pela morte da mãe e do irmão mais novo, a que assistiu preso num espinheiro, está de regresso enquanto “Rei dos Espinhos” (Topseller, 2016), no segundo volume da trilogia do britânico Mark Lawrence.
O protagonista Jorg Ancrath volta a ser o ponto forte do livro e o motivo de fascínio do leitor, mantendo-o preso à trama mesmo quando esta se demonstra um pouco confusa, intercalando duas linhas temporais distintas. À medida que nos aproximamos do fim, vai-se aclarando este emaranhado e a relação dos flashbacks – “quatro anos antes” – com o tempo presente – “dia do casamento” -, cujo alcance não é perceptível numa fase inicial.
Mark Lawrence não desilude e apresenta uma melhor exploração deste mundo negro criado, bem como de outras personagens cativantes (algumas mágicas), a par da evolução da personagem principal e da sua própria escrita – não é apenas Jorg que se revela mais maduro: “(…)morremos um pouco em cada dia e, gradualmente, renascemos como homens diferentes, homens mais velhos com as mesmas roupas, com as mesmas cicatrizes”.
Se, em “Príncipe dos Espinhos”, a vingança era o combustível do enredo, aqui os fantasmas do passado que atormentam Jorg adquirem posição central. O fantasma de uma criança e uma misteriosa caixa presa à anca do agora rei vão manter desperta a curiosidade do leitor. Não faltam profecias e maldições, oráculos, um bruxo de sonhos que “enfia as mãos nas nossas cabeças e puxa os cordéis que nos fazem dançar”, batalhas sangrentas, cadáveres, alianças e intrigas.
Neste “Rei dos Espinhos”, Mark Lawrence humaniza o protagonista herói-vilão explorando seu o amor por Katherine, que acaba por ser peça chave para a revelação dos acontecimentos que levaram Jorg a perseguir este caminho sombrio. Aliás, passagens intercaladas do diário desta amada enriquecem a obra e trazem um olhar diferente sobre as suas memórias: “Por vezes, desejava conseguir esquecer velhas memórias, deixando o vento levá-las. Se uma faca afiada conseguisse separar-me da fraqueza desses dias, cortaria até não restar nada além das lições duras”, partilha Jorg.
Mark Lawrence mantém a sua incrível capacidade de nos fazer torcer sem hesitações pelo herói-vilão, que sentimos próximo, muito pela escrita na primeira pessoa – é o fascinante Jorg que fala connosco, partilhando pensamentos, angústias e vontades. O autor transporta-nos para este mundo fantástico que mistura o medieval e o pós-apocalíptico, neste volume melhor explorado, mas por vezes com uma narrativa demasiado lenta, presa em pormenores que acabam como pontas soltas e um fim que, claramente, aponta para uma continuação. Espera-se que “Imperador dos Espinhos”, já lançado pela Topseller, desfaça todos os mistérios que nesta aura negra ficam a assombrar o leitor, fazendo-o ansiar pelo desfecho da trilogia.
“Sageous escreveu as palavras na pele e isso enfraqueceu-o. O meu pai guarda-as para si e isso torna-o menos do que humano. Escrevo aqui as minhas, como se a tinta e o papel pudessem levar a minha culpa.”
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