“Recorda-me” (HarperCollins Portugal, 2019), do espanhol Mario Escobar, é uma narrativa histórica sobre 456 crianças espanholas enviadas pelas famílias para Morelia, no México, no verão de 1937, início do grande conflito bélico em Espanha e depois um pouco por toda a Europa. Com idades entre cinco e doze anos, estas crianças oscilavam na hora da partida entre o medo, a ignorância, a esperança e o desespero que os próprios familiares expressavam na hora de os enviar para longe da guerra – mas também de casa.
O tema é desenvolvido por Mario Escobar, escritor, historiador e colaborador habitual da National Geographic, dedicado à investigação dos grandes conflitos humanos e apaixonado pela história e pelos seus enigmas, especialmente a história da igreja e de grupos sectários que se desenvolveram no seu seio. Em “Recorda-me”, acontecimentos históricos são apresentados e desenvolvidos a partir da vivência de personagens fictícias, inspiradas em experiências de terceiros, premeditando-se objectividade e fiabilidade do argumento, investigação e compreensão factual.
Através dos irmãos Marco, Isabel e Ana Alcalde, especialmente do relato na primeira pessoa de Marco, obtém-se a percepção que as crianças tiveram da guerra – primeiro um jogo, depois uma tragédia -, incapazes de entender o sentido e o ganho do conflito e da barbárie, por muito fieis que se mantivessem à perspectiva dos que lhes eram próximos e reproduzissem o seu discurso, numa desesperada procura de apaziguamento e fidelidade aos afectos.
Os acontecimentos relatados no livro iniciaram-se em 1934 e foram sequencialmente até 1941, com um salto até 1975, a título de epílogo. Uma obra de ficção, inspirada em histórias reais, retrato de polémicas que envolveram a segunda República e a guerra civil espanhola, a tragédia humana e as perspectivas de vários intervenientes, a fragmentação e ostracização política e social no país, a presença e o papel desenvolvido por entidades religiosas. Que mostra o valor real e simbólico da luta, das batalhas e da morte, em nome de um ideal ou tão só da sobrevivência.
“Lembrem-se, mas não odeiem. Lembrem-se. Não deixem que a memória se perca.”
“Recorda-me” parece ser um acto de afirmação e defesa da memória de um povo e de uma época, dos efeitos da guerra, da desumanização, da rendição ou da desistência, muitíssimo bem retratado por Mario Escobar, a quem é devido reconhecimento pela substância e habilidade do relato.
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