“Rapariga Mulher Outra” (Elsinore, 2020) é um romance-puzzle montado por Bernardine Evaristo, onde cada peça é única e precisa do espaço que lhe pertence. Um registo incisivo e cheio de contornos, que se querem bem demarcados e que saltam à vista. Contornos esses que abrem caminhos, novos trilhos e dão toda uma outra dinâmica ao puzzle como um todo, que se completa na descoberta e revelação de inúmeros caminhos que têm – e precisam – de se firmar. No entanto, não esquece ou desvaloriza outros caminhos já abertos, decidindo integrá-los e, com isso, elevando a panóplia de sentidos que podemos retirar da leitura.
Bernardine Evaristo expõe, essencialmente, o racismo, o preconceito e a herança repressiva que deixa como que um legado às mulheres (e não apenas às mulheres negras), juntamente com a realidade multifacetada e multicultural, fruto do imperialismo e da imigração, sem esquecer tantos outros flagelos: violência doméstica; homofobia; preconceito social e profissional; a dicotomia rural/citadino; o papel das artes ou até do sistema educativo. Muito cabe neste tratado sobre direitos das mulheres – ou seja, sobre os direitos da Humanidade.
A multiplicidade de abordagens torna-o extremamente informativo, altamente aberto ao debate. Aliás, algumas opiniões mais incisivas e enérgicas pretenderão isso mesmo: lançar a discussão. E as inúmeras peças do puzzle, umas de encaixe mais exigente que outras, conseguem ter histórias credíveis que captam a atenção do leitor e o chamam às diferentes realidades, embora todas tenham aspectos, independentemente do percurso pessoal do leitor, que se cruzam com a realidade de cada um, seja ela mais ou menos diversificada. E, se não o é, este livro pretende exactamente isso: abrir o leque da diversidade mesmo frente aos olhos do leitor.
A diversidade é tanta que não há pódios para nada, já que tudo pode (e deve) ser questionado. Tudo tem dois lados, tudo é passível de ser criticado, analisado, pensado – e deve. Tudo merece tempo de antena, espaço de debate. Não há peças suplentes.
A maior mensagem deste livro talvez seja a esperança (esse tempero), incentivando cada pessoa a um maior conhecimento de si mesmo e da sua história que, inevitavelmente, se cruza com a do outro. O que importa aqui são as pessoas e as circunstâncias do dia-a-dia, criando espaço para que se oiça o outro. Por isso, cada uma das histórias parece surgir como um monólogo, embora se “resolva” no diálogo – atingindo, aí, os melhores momentos da narrativa. É no diálogo que tudo ganha outra dimensão e expande perspectivas.
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