Conhecemo-la, sobretudo, pela veia de romancista e o olhar de profeta, mas a verdade é que a obra literária de Margaret Atwood é todo um universo onde navegam múltiplas constelações. É o caso destes “Quatro Contos Consonantes” (Ponto de Fuga, 2021), livro infantil que, na edição portuguesa, surge acompanhado pelas ilustrações de Sebastião Peixoto, e que mergulha na esteira das tradicionais histórias de encantar com muitas aliterações – repetições propositadas e recorrentes de determinadas consoantes – pelo meio.
São quatro as histórias presentes neste volume de capa dura, que tanto irão estimular como divertir miúdos e graúdos. Carlitos Constrangido e Deolinda Desgostosa, conto inaugural, apresenta-nos a uma criança de colo que ficou perdida, numa alcofa, nas escadas de um concorrido cabeleireiro. Uma criança que cresceu a acreditar que é um cão, e que acaba por ver a sua vida virada do avesso quando surge a “adorável e de uma delicadeza desarmante” Deolinda. Uma história de negligência parental onde se fala de sobrevivência, adopção, erros administrativos da Autoridade Aduaneira, vergonha e de perdão, utilizando palavras como dónutes (fora do prazo), descabeçada e dromedário.
Princesa Prunela e a Espinha Púrpura tem, como estrela, uma princesinha “pretensiosa, bem-posta, bem-apessoada e, para mal dos seus pecados, super-protegida”. Aqui, Atwood diverte-se a a falar de proletariado e de privilegiados, de representantes do povo, trazendo para a frente uma praga (uma espinha no nariz) que se verá interrompida após três actos de filantropia.
Raimundo Refilão e os Rabanetes Rugidores mostra-nos um rapaz farto de refeições intragáveis, “refém de um regime repressivo” que, após revelar o descontentamento do seu estômago, terá à perna rabanetes rugidores e ratos falantes.
A fechar a loja temos o conto Vanda Vivaça e a Lavandaria Vertiginosa da Viúva Venteira. Vanda é “uma criança vivaça, com cabelo vaporoso e olhos violeta”. Os seus pais foram varridos por um vendaval invulgar e, partida do destino, irá parar à Lavandaria Vertiginosa da Viúva Venteira, que tem o ar de esconder algo tão sinistro quanto a casa de doces erguida pelos arquitectos Grimm. Uma boa porta de entrada para o imaginário de Margaret Atwood.
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