Em 2004, pela mão de Steven Spielberg, chegou às salas de cinema o filme “Terminal de Aeroporto”, no qual Tom Hanks desempenhava o papel de Viktor Navorski, um cidadão da Europa Oriental que viajava rumo a Nova York justamente quando seu país sofre um golpe de estado, o que faz com que seu passaporte seja invalidado. Ao chegar ao aeroporto, Viktor não consegue entrar nos Estados Unidos e, sem poder retornar à sua terra natal, acaba por viver no aeroporto durante meses, descobrindo o complexo mundo do terminal onde está preso e, cereja das cerejas, apaixonando-se por uma comissária de bordo.
Em “Quando perdes tudo não tens pressa de ir a lado nenhum” (Guerra & Paz, 2017), romance assinado por Dulce Garcia, não há Tom Hanks, golpes de estado ou comissárias de bordo capazes de rebentar com corações. Mas há Isabel – “…a mulher do saco. É isso que me chamam aqui” -, uma mulher cujo maior medo é enlouquecer, e que decidiu fazer do aeroporto a sua casa, nele vivendo há já um ano depois da sua vida amorosa ter levado um abanão Richteriano – “Deixei o meu marido para seguir o homem por quem me apaixonei”.
À boleia de uma banda sonora que inclui nomes como Sérgio Godinho, Lloyd Cole ou Bjork, Dulce Garcia oferece-nos um livro em crescendo sobre as trincheiras dos casamentos e as areias movediças do desejo, tirando algures pelo caminho – pela voz de Afonso, amante de Isabel e ghost writer de biografias e discursos para políticos – um possível e amedrontado retrato geracional capaz de ser emoldurado: “Um dos grandes problemas desta geração é o medo. Temos medo de ser pais dos nossos filhos porque sabemos que antes de nós houve alguém que fez um mau trabalho e não suportamos a ideia de os imitar. Mais do que a consciência da árdua tarefa que nos espera ou do quase certo fracasso a que estamos condenados, temos medo de ser julgados pelos fedelhos”.
Há também a história rocambolesca e algo gangsteriana de Cármen, com muito sangue e questões de género pelo meio, tudo para chegar a uma verdade capaz de ser impressa num azulejo de parede ou uma caneca para oferecer em dias comemorativos: “Ao pé das mulheres, os homens são uns bananas”. Touché.
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