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Quando a Penumbra Vem, Tinta da China, Deus Me Livro, Crítica, Jaume Cabré
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“Quando a Penumbra Vem” | Jaume Cabré

Por Pedro Miguel Silva · Em 04/11/2019

Nascido em Barcelona no ano de 1947, Jaume Caubré levou já para casa diversos prémios literários da crítica espanhola e internacional. Por cá e com o selo da Tinta da China, tem publicados os romances “Sua Senhoria” (2007), “As Vozes do Rio Pamano” (2008) e “Eu Confesso” (2015), este último considerado o melhor livro em 2015 pelo Deus Me Livro no que tocou à literatura traduzida.

Já este ano chegou às livrarias “Quando a Penumbra Vem” (Tinta da China, 2019), livro composto por treze contos, onde Caubré decidiu seguir à risca os conselhos de Vicenç Riesa Llorca, que defendia que “os livros tinham de ser construídos com contos que tivessem uma ligação, uma atmosfera comum, uma relação não necessariamente argumental, mas relação ao fim ao cabo“. Neste caso, a atmosfera comum é a da presença da morte, do peso da consciência – ou, mais verdadeiramente, da falta de consciência própria do ser humano. Contos que foram sendo atirados para as gavetas por entre a escrita de romances, e que Caubré decidiu publicar como colectânea em 2017.

A abrir temos Os Homens Não Choram, um dos mais fascinantes contos aqui reunidos, que ajuda a marcar o compasso e a desenvolver uma estética do mal, que tão bem foi dissecada em “Eu Confesso”. Aqui, numa casa com 300 crianças e freiras “que voavam silenciosas pelos corredores, com aquelas asas de gaivotas nas cabeças, e que nos davam aulas de inutilidades diversas…“, vive um rapaz cuja mãe se suicidou e com um pai  que não o visita. Um pai que lhe ensinou, desde tenra idade, que os homens não choram. À boleia de muito bullying e violência de facto vai-se formando em grupo um plano de vingança a longo prazo, assistindo o leitor à formação de um guna que não tem sequer uma lágrima guardada.

A Soldo começa por apresentar uma distinção entre tipos de assassino, apontando o foco ao narrador deste conto: “Mato pessoas com nome e apelido, e que antes olhei nos olhos“.  Sem qualquer remorso com “gente que atrapalha” esta vida, há encenação, romance, mas uma total ausência da necessidade de reconhecimento – “O meu desafio é não existir para ninguém” -, ainda que não escape à necessidade da confissão.

Quando a Penumbra Vem, Tinta da China, Deus Me Livro, Crítica, Jaume CabréPoldo é um ladrão de ovelhas cheio de artimanhas, protagonista maior deste relato do além com um epitáfio indesejado, gravado à boleia das voltas que a História (nos) dá. Na biblioteca que serve de cenário a Buttubatta, assassino e vítima tomam tranquilamente um Armanhaque antes da fatídica hora do disparo.

Pandora apresenta-nos a Carlos, um tipo indeciso sobre se deverá ou não ceder a uma alternativa brutal, tão brutal que deveria ser proibida pelos deuses. Isto numa recriação daquele ditado que ordena que a vingança, para ter estilo, se sirva apenas à temperatura do frigorífico. O quadro La Paysanne, de Millet, serve de mote à recriação de uma outra expressão proverbial, qualquer coisa como um “mulher fora, feriado na loja”.

Em Paraíso, um tipo que se julga excepcional por ser ter tornado um assassino quase ao mesmo tempo  em que aprendeu a primeira palavra, livra-se da cela após 22 anos de confinamento. Precoce é também Ferriol que, no conto Nunc Dimitis, escreve com uma esferográfica de prata sobre uma carreira criminal que começou numa creche aos quatro anos de idade.

Bala de Prata é atravessado de uma ponta à outra pela estranheza, o jogo político dos bastidores e a arte do engano, recorrendo-se à dissimulação e ao empurrão da imprensa para criar uma figura de cartão. Ponto de Fuga, uma história de amor cortada pela raiz, põe-nos frente e frente com um auto-confesso assassino, um coleccionador de arte que prefere não conhecer os autores dos quadros que compra para não correr o risco de se decepcionar.

As Mãos de Mauk é um muito negro conto sobre o ofício da escrita e o mundo editorial, escrito com doses generosas de humor negro e a promessa de suicídio. Teseu gira em redor da ideia feita de que o assassino se vê sempre tentado a regressar ao local do crime. A terminar, O Ebro leva-nos pela mão até junto do trono da morte, esse final possível e previsível destinado a todas as histórias.

Lugar habitado por gente que não sabe estar, “Quando a Penumbra Vem” é um cardápio sanguinário de coleccionadores de arte, pastores de ovelhas, assassinos contratados ou bullies por conta própria, todos eles sem redenção possível – e com a entrada no Paraíso protegida por sete chaves muito difíceis de encontrar.

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Pedro Miguel Silva

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