É sabido que não se deve julgar um livro pela capa, algo que deverá ser levado muito a sério com a “Promessa” (Asa, 2024), romance assinado pela artista, poetisa e romancista Rachel Eliza Griffiths. Um livro que nos conta a história das irmãs Kindred – Ezra e Cinthy -, e a forma como o seu mundo se transforma com a entrada na adolescência, seja pela transformação do próprio corpo ou da percepção de como a cor da pele é algo decisivo na sua relação com os outros e o mundo.
Rachel Eliza Griffiths apresenta-nos a duas famílias que se tornaram na cola uma da outra, até que o peso da vizinhança branca se torna pesado, demasiado pesado. Estamos em 1957 e, noutra geografia do mesmo país, começam a soprar os longínquos ventos da mudança, que agitam uma coexistência até então pacífica, ainda que por arames. “À medida que as notícias provenientes de outros recantos da América começavam a abranger os conflitos pela liberdade, a igualdade e a justiça para os negros, a nossa presença começou a deixar os aldeões cada vez mais agitados. Ao mesmo tempo, homens adultos começavam a deter-se silenciosamente para admirar a Ezra, com quinze anos feitos há pouco, e a mim, com treze, nos nossos calções feitos de ganga. Ao anoitecer, tanto o Sr. Caesar como o meu pai se certificavam de que as nossas famílias estavam ttrancadas dentro das suas casas”.
O desconforto pelo inexplicável, a ideia de individualidade, o pânico do crescimento, a antecipação da mudança ou o racismo na religião atravessam este romance, como também o atravessa, como que pairando, o sonho de uma utopia negra familiar, “uma cidade que fosse suficientemente grande, suficientemente negra, e segura para todas as crianças. O meu pai não acreditava que tal lugar existisse. Não na América. Talvez em nenhum lugar”. Um romance belíssimo conduzido por uma voz encantatória, que olha para o racismo sofrido por uma família negra no Maine nos anos 1950, lembrando-nos de que há ainda um longo caminho para que a utopia negra se torne nada mais do que uma mera e humana formalidade.
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