“Presidio” (Gradiva, 2024) parte de uma premissa assaz cinematográfica: é um romance noir densamente atmosférico, que acompanha dois criminosos em fuga pelas estradas intermináveis do Texas.
O livro começa com um olhar pelo caderno de notas do protagonista, Troy Falconer, onde este explica as razões que o levam a sobreviver de um modo peculiar: instalando-se em móteis baratos, de onde sai à socapa, levando a roupa, o dinheiro e o carro dos seus incautos hóspedes. À primeira vista, podemos classificar Troy como um reles ladrão de automóveis. Contudo, na verdade, não é dessa forma que se define: Troy tem um temperamento sensível, ora carregado de cinismo, ora ingénuo, e vive tomado por uma compulsão quase religiosa em ser dono de coisa nenhuma. “A minha verdadeira profissão é o cuidadoso e altamente precário acto de manter uma vida quase completamente destituída de propriedade pessoal”. De modo a satisfazer o seu propósito e, ainda assim, ganhar a vida, Troy é obrigado a esgueirar-se para o interior de quartos de motel, usualmente quando o hóspede está no banho ou na piscina, e surrupiar-lhes os pertences.
Em Novembro de 1972, o protagonista é obrigado a colocar um parêntese na sua carreira de salteador itinerante. Regressa à vilória onde havia crescido, com a intenção de ajudar o irmão, Harlan, a encontrar o rasto da esposa, Bettie, uma vigarista que terá fugido com a herança de Bill Ray, pai dos dois rapazes. O corpulento Harlan está nos antípodas do irmão: manso, doméstico, viveu toda a vida atado a um pequeno ponto no mapa, e inclusivamente já comprou a sua própria lápide, que o espera pacientemente no cemitério local.
Os irmãos partem no encalço de Bettie e, quando Troy rouba uma carrinha à porta de um supermercado, não reparam numa passageira acidental escondida no banco de trás: a franzina Martha, com apenas 11 anos, faúlha que acabará por desencadear a fuga em direcção ao México.
O livro oscila entre as notas de Troy — deliciosas diatribes com episódios das suas viagens, meditações filosóficas e pequenas estórias — e a narrativa principal do livro, numa dança inspirada que nos aproxima cada vez mais do protagonista. Randy Kennedy tem uma imaginação fértil, um pendor para descrições sensoriais e líricas, e a capacidade de se deixar levar pelos inúmeros desvios à história, sempre com uma assinalável qualidade poética na sua escrita. Tudo isto faz da leitura de “Presidio” um prazer, da primeira à última página.
Sem Comentários