Paralelamente à sua carreira como humorista, Guilherme Duarte desempenha a função de dono da Zaya, uma cadela pitbull de personalidade forte, que partilha experiências e pensamentos com o resto do mundo em “Por Ladrar Noutra Coisa: Diário de uma Bitch” (Ideias de Ler, 2020).
A vida da Zaya nem sempre foi fácil. Os humanos com quem hoje vive recolheram-na de um canil, onde passava os dias fechada, na secção dos cães potencialmente perigosos, desde que fora encontrada amarrada a uma árvore, no meio do mato, esfomeada e com sinais de maus-tratos. Antes disso era uma “cadela de isco para lutas”, o que significa que os cães de combate eram-lhe atiçados, à laia de treino. Os dentes dela tinham sido limados, para não se poder defender, por isso servia “apenas como saco de pancada”. Um dia, quando já não precisavam dela, abandonaram-na à fome e ao frio.
As dentadas dos outros cães e as pancadas dos humanos deixaram cicatrizes físicas e psicológicas. Até hoje, a Zaya dificilmente tolera outros canídeos. Nos primeiros tempos na casa nova, assustava-se sempre que via uma mão mover-se na sua direcção, ou quando o dono tirava o cinto, com receio de ser agredida. Além disso, havia um medo comovente de que o casal simpático que lhe dava biscoitos e fazia festinhas a abandonasse ou devolvesse ao canil. Mas este não é um livro triste, graças ao sarcasmo com que a Zaya analisa o comportamento humano. Sem papas na língua, dominando a arte de praguejar melhor que muita gente, ela disseca as relações humanas, as diferenças entre as pessoas e os cães, as noções de liberdade, o preconceito derivado da ignorância e do medo do desconhecido, os provérbios, as touradas, o desporto, a capacidade de mentir, o ciúme e a disponibilidade para amar. Segundo a sua adaptação de uma frase de Einstein, ”três coisas são infinitas: o universo, a estupidez humana e o amor de cão”.
Alerta-se desde já os amantes de gatos para o facto de este livro conter parágrafos eventualmente chocantes. Também há frases que podem ferir a sensibilidade dos apreciadores de outras raças caninas. Embora se entretenha a filosofar sobre um mundo no qual os cães detivessem o poder, a Zaya não tem igual consideração por todos os membros da sua espécie.
Agora que está presente nas redes sociais, a Zaya almeja tornar-se influencer, para receber ração gratuita. Em relação à concorrência humana, considera que dispõe de grandes vantagens: tem mais de um par de maminhas e pode mostrá-las sem censura. Apesar de ter ficado um pouco convencida, por ter sido escolhida de entre todos os residentes do canil, não esquece as origens e está ciente de que a sua sorte só mudou devido à conjugação de muitas variáveis. Com a publicação do seu diário, espera levar os humanos a tratarem melhor todos os animais. Por cada livro vendido, será doado meio euro à SOS Animal, a associação que a resgatou.
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