No ensino e na vida, são por vezes longas e acesas as discussões sobre aquilo que deveria ser oferecido no percurso escolar: o desporto ou a música (ou ambos, se a agenda escolar e o orçamento assim o permitisse). No caso de Pavlina, mais conhecida por “Piolha” (Orfeu Negro, 2023), a decisão surge do nada (ou talvez do tudo), espantando toda uma casa feita de homens: irá trocar as teclas do piano pelas luvas de boxe.
Pavlina é a mais nova de uma casa habitada por homens “um pouco alarves. Uns brutamontes. Uns durões”. Sergei, o pai, é taxista, tendo em tempos trabalhado como mineiro; Boris, o irmão mais velho, é um incondicional do futebol; Ivan, o irmão do meio, anda sempre esfomeado, atento ao que poderá enfiar na boca; quanto a Vlad, o irmão mais novo, anda sempre de cronómetro na mão a tentar bater recordes, navegando entre a bicicleta e o computador.
No que toca às tarefas domésticas, estas são atribuídas após a disputa de jogos de força, o que faz com que a Piolha seja a mais sobrecarregada. Com o boxe, porém, a valente esquerdina começa a ver-se livre de muitos trabalhos, ganhando também o respeito por parte do pai e dos irmãos, a caminho de se tornar uma profissional do ringue.
Com texto e ilustrações de Rémi Courgeon – nas quais se nota a sua veia de pintor -, “Piolha” é um álbum que consegue penetrar na dureza machona, um grito de revolta e uma luta pela igualdade que, pelo caminho e a poucos centímetros de uma meta viciada, nos troca as voltas com um belíssimo mantra: “Os punhos servem para se abrir, e os dedos para levantar vôo”.
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