Autora de romances históricos, biografias e crónicas de viagens, premiada e reconhecida, entre outros aspectos, pela intensidade e ousadia das suas narrativas, Raquel Ochoa é uma exímia narradora de experiências, fazendo-nos sentir delas participantes.
“Com mapas ou sem eles, o mundo é um lugar esplêndido onde o observador é tão importante como o observado.”
“Pés na Terra” (Oficina do Livro, 2020) é um hino à confiança e à coragem de nos descobrirmos, de nos desafiarmos saindo da nossa zona de conforto e confrontarmo-nos com reacções, as nossas e as dos outros, que por vezes obrigam a verdadeiros resets.
Ao longo deste livro, uma compilação de histórias que revelam a sua recusa ao imobilismo, Raquel Ochoa retrata quatro meses de exploração pelo mundo, como se fosse um passeio quotidiano. Não é apenas um livro de viagens, mas uma homenagem ao mundo, local que tem percorrido sofregamente nos últimos vinte e seis anos, que respeita e reflecte em si, sempre diferente a cada regresso a casa, porque os sítios mudam as pessoas mudando a sua percepção de tudo.
Neste livro, o roteiro comtempla a passagem pela Índia, Sri Lanka, Nova Zelândia, Cabo Verde, Senegal, Filipinas, Japão e Hong Kong, destinos que remetem para outras viagens, para outros livros, mais específicos e aprofundados sobre alguns dos destinos, os quais umas vezes explorou sozinha, outras acompanhada, outras ainda como autora residente do “Viagens com Autores”/Pinto Lopes Viagens, preparando e acompanhado périplos à Índia Portuguesa, Cabo Verde, Filipinas, Londres e La Lys, no rasto das obras que escreveu. Em todos os destinos foi além do evidente e procurou os mais improváveis e recônditos registos da presença e influência portuguesa no mundo, na arquitectura, na língua e, imagine-se, na gastronomia nipónica.
Em “Pés na Terra” há um ganho acrescido pelo facto de associar o relato vivido dos locais às suas memórias, às emoções, umas vezes evidentes outras embotadas pela necessidade de prosseguir, às questões de identidade, da forma como se sentiu reconhecida ou ignorada por ser portuguesa e por ser mulher, razão pela qual, em diversos momentos, deixa ao leitor avisos à navegação, lembretes sobre história e recomendações para mulheres que viajem sozinhas.
Pelo intermeio há registos de entusiasmo e de desalento, de paz e de tormenta, de êxtase e de desilusão, porque o mundo é isso mesmo: um conjunto de antíteses. Para um verdadeiro viajante nunca chega, nunca se viu tudo porque o tudo não existe a partir do momento em que também são as pessoas que fazem os lugares, com as suas culturas e comportamentos. A partir do momento em que também as pessoas desses lugares partem, então é imperioso voltar lá para ver e rever, confirmar ou infirmar percepções. O registo é também o de um livro de aventuras, através do relato de episódios vividos, muitos dos quais no limite da integridade física e emocional da própria autora como de quem a acompanhava, desencadeando compulsão na leitura, tal a ânsia de sabermos os desfechos.
Para Raquel Ochoa, viajar parece ser um compromisso e não um passatempo; muito menos uma fuga. Uma forma de se colocar do avesso, de solidão e de comunicação, de maturidade e auto-reconhecimento. Por tais motivos, “Pés na Terra” é literatura de viagens enriquecida por um generoso cunho introspectivo.
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