Já a conhecíamos d`”O Livro do Ano”, aquela menina que, entre outras coisas, passeava pelas ruas com um jardim na cabeça e que, em vez de milho ou pão, gostava era mesmo de dar palavras aos pombos. O regresso faz-se agora com “Paz Traz Paz” (Companhia das Letras, 2019), um livro precioso com o ar de um diário poético, onde através de pensamentos, inquietações e sonhos se tenta arranjar uma forma de resolver o problema da Humanidade – e não o da humidade, que esse, apesar de chato, é ainda assim menos complicado.
Afonso Cruz saca aqui de todo o seu arsenal, seja o humor gramatical, as dissecações filosófico-existenciais – como a diferença entre mais saber e melhor saber – as farpas políticas – cravadas em “presidentes, excelências, líderes e governantes, homens de gravata, ministros e vizires, especuladores agiotas” – ou a reinvenção de provérbios, em poemas visuais que brincam com as palavras e se vão interligando. Mostra-se também que são as coisas pequenas as mais importantes, aprende-se a dizer não, a questionar e a resistir, conhece-se a importância da desobediência e da sempre útil lógica da ervilha.
Neste livro com ar de bolso, que chega numa lindíssima edição em capa dura com ilustrações do próprio Afonso Cruz – a paginação é de Maria João Lima -, combate-se a noite com canteiros, diz-se as horas com lágrimas, sai-se da infância a ler livros que não são para crianças. Aprende-se a distinguir as pessoas que se parecem com pedras, elogia-se a importância de brincar sempre, examinam-se as costas em busca de facadas – isto apenas para comprovar a veracidade dos sorrisos. Procura-se, acima de tudo, resolver o problema bicudo da Humanidade, neste baile que é a vida, onde as coisas insignificantes dançam com as coisas grandes. Dancemos pois.
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