Com a assinatura da inglesa Alice Oseman, carregada em ombros pelo Tik Tok e adaptada a série pelo gigante Netflix, a banda desenhada “Heartstopper” transformou-se num caso sério de popularidade, sobretudo entre o público mais jovem. Uma daquelas histórias que os brits costumam designar de coming-of-age – que, por cá, se foi designando como a idade do armário -, mergulhando em estilo livre na descoberta da identidade, do género e das preferências sentimentais e físicas. Isto numa banda desenhada construída inteiramente a preto e branco, com vinhetas de grande formato onde a expressividade das personagens se vê aumentada, leitura ideal para quem está a viver as agruras e as aventuras da adolescência – ou para todos aqueles que a querem desesperadamente compreender.
“Pardalita” (Planeta Tangerina, 2021), que conta com textos e desenhos da já enorme Joana Estrela, integra a Dois Passos e Um Salto, uma colecção do Planeta Tangerina para adolescentes e outros leitores, livro que agradará certamente aos fãs de Heartstopper que, com Joana Estrela, embarcarão numa fascinante viagem de descoberta com uma forte dimensão poética e literária.
A história é-nos contada, ao estilo de um diário de memórias, por Raquel, uma miúda de 16 anos que se vê suspensa por, em certo momento, ter gritado isto a uma auxiliar: “Vá meter-se na sua vida, cusca de merda”. Algo que lhe garante uma ida ao gabinete do director onde, no corredor da espera de uma escola onde se sente como num aquário, se verá saudada pela Pardalita. Alguém que, com uma lentidão inflamada, irá fazer Joana questionar-se sobre o que significa conhecer alguém de vista, vendo despertar nela o género de sentimentos que vão de ter borboletas na barriga a sentir a pele em calafrios: “Qual é a distância a que se pode estar de alguém sem dar a entender que não se quer distância nenhuma?”.
Joana Estrela tem um traço grosso e vigoroso, carregado de noções de geometria e de espacialidade, onde tanto o humano, o mecânico ou o natural são desenhados de forma primorosa – nas mãos de Joana Estrela, até as letras se parecem com ilustrações. Desenhos que tanto olham o espaço aberto como dão atenção ao pormenor, como quando se faz a leitura de uma mão ou se salta à corda em várias perspectivas – numa espécie de dança onde nunca chegamos a descobrir que é mesmo uma corda.
Com muito Titanic pelo meio, o mar sempre perto, verbos em inglês quase cantados, referências à imigração, a trágica história de amor entre Hero e Leandro em fundo e uma banda sonora que está entre os The Rolling Stones e António Variações, Joana Estrela desenhou uma banda desenhada sobre o tumulto da existência, onde cabe a descoberta do amor, a bênção de amizade, a fronteira entre o que se pensa e o que se diz e, sobretudo, a descoberta do “eu”, algo que deverá ser avesso aos ecos e às opiniões do mundo. Um livro fabuloso e comovente, que revela Joana Estrela como uma das grandes autoras nacionais do momento.
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