No prefácio a “Para lá do Relvado” (Tinta da China, 2016), Raquel Vaz-Pinto aponta a Bill Shanky, o homem que virou o Liverpool do avesso, a razão de ter escrito este livro que tem, como sub-título, “O que podemos aprender com futebol“: “Some people believe football is a matter of life and death: I am very disappointed with that attitude. I can assure you it is much, much more important than that.” Uma importância tão grande que, no caso de Raquel, a fez deixar de fora qualquer referência ao futebol jogado em Portugal: “Pertenço àquele tipo de adeptos que genuinamente não conseguem perceber afirmações como “eu sou do Benfica mas sei ver as coisas”.”
Esta paixão pelo desporto-rei, herdada dos tempos onde era possível sentir “o prazer de jogar na rua e na escola durante quinze ou noventa minutos (ou mesmo a tarde toda) em que nos esquecíamos do mundo e não interessava se éramos bons ou maus alunos, felizes ou infelizes“, foi acompanhada por uma outra paixão: as relações internacionais. Segundo a autora, o futebol carrega, para além da redondinha, “história e política, economia, estratégia e liderança“.
“Para lá do Relvado” reúne, de facto, um pouco de todas as dimensões que estão associadas ao futebol, jogadas fora do relvado e muitas vezes ignoradas pelos adeptos: as leituras históricas e políticas; o campeonato inglês como o pioneiro da exportação e o centro da imprevisibilidade (remember Leeds); o universo económico e financeiro; o percurso e as diferenças entre o Barcelona – o “exército simbólico desarmado da Catalunha” segundo Manuel Vázquez Montálban – e o Real Madrid; um olhar sobre as selecções e os emigrantes naturalizados; as campanhas da UEFA e o muito que está por fazer no combate ao racismo; os clubes e a questão da identidade; o mistério do campeonato do mundo atribuído ao Qatar; a corrupção através do exemplo russo; Johan Cruyff como o maior exemplo de liderança – um “génio e líder” para a autora; a estratégia grega que lhes deu o Euro 2004 e o renascimento das cinzas do futebol alemão; o visionário Guardiola, filho da escola holandesa de jogar e pensar o futebol; os jogadores míticos e portadores da centelha de identidade clubística como Gerrard, Totti ou Maldini.
Misturando informação e paixão, Raquel Vaz-Pinto faz uma radiografia em formato TAC ao futebol, mostrando cada um dos seus ossos e vértebras. Um livro essencial para os treinadores de bancada e aficcionados do maior desporto à face da terra.
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