Corria o ano de 1966. Eusébio da Silva Ferreira deslumbrava no Mundial de Futebol, reinando sobre os estádios ingleses. Do outro lado do Atlântico, nos Estados Unidos, surgia um outro Pantera Negra: saído da imaginação de Stan Lee e Jack Kirby, nascia nesse ano Black Panther, o Rei de Wakanda, nas páginas da revista Fantastic Four. Foi o primeiro super-herói negro, uma espécie de avatar do progresso racial. Fast forward para 2018: passados mais de cinquenta anos, o super-herói tornou-se um símbolo da cultura negra na América, muito por culpa do sucesso do filme de Ryan Coogler, “Black Panther”.
Ainda antes do filme, a Marvel criou em 2016 uma mini-série de livros centrada na personagem, onde a arte ficou a cargo do desenhador veterano Brian Stelfreeze. Ao invés de ir buscar um argumentista “tarimbado”, a produtora contratou alguém alheio até aí ao mundo da BD: o aclamado jornalista e escritor Ta-Nahesi Coates.
O nome de Coates trouxe à empreitada uma medida de respeitabilidade literária: vencedor de um National Book Award em 2015 pelo seu segundo livro, “Entre Mim e o Mundo”, o autor já escreveu para publicações como o Washington Post, o New York Times e a revista The Atlantic, entre muitas outras.
“Uma Nação Sob os Nossos Pés I” (Goody, 2018), o primeiro de uma mini-colecção de três volumes, abre com uma revolução. Wakanda foi sempre um reino impenetrável, graças ao seu carismático líder e à avançada tecnologia do País, baseada no metal Vibranium. Na sequência de uma traumática invasão, o povo de Wakanda perdeu a fé no Rei T’Challa, o Pantera Negra. A história arranca, então, com uma súbita rebelião popular. Apercebendo-se que o seu povo está a ser telepaticamente controlado por um inimigo desconhecido, T’Challa e os seus soldados reagem com (demasiada) violência, e há danos colaterais entre a população.
Coates e Stelfreeze não estão interessados em cenas de acção gratuitas, fazendo da filosofia e da política o centro da trama enquanto colocam questões complexas: onde começa e acaba a responsabilidade de um Rei perante o seu Povo? O que compõe uma nação? Quando é legítimo usar a força para manter a ordem? Infelizmente, como resultado desta densidade intelectual, o tom torna-se frequentemente pomposo e ruminativo – alguma leveza tornaria o livro mais equilibrado.
Já a abordagem gráfica de Stelfreeze é irrepreensível: as suas paisagens sci-fi, misturadas com visões afro-futuristas, são inovadoras e vibrantes. As expressões e poses dinâmicas dos inúmeros personagens dão interesse visual à história, desde o próprio Pantera Negra em acção, até à figura longilínea do vilão Tetu e às rebeldes e explosivas Dora Milaje. Um mundo ainda em construção: veremos como evolui nos dois volumes seguintes.
Sem Comentários