Comecemos pelo fim, acompanhando Miguel Szymanski no agradecimento aos banqueiros, magnatas e políticos pela inspiração; aos directores de publicações com os quais trabalhou nos seus vinte e cinco anos de jornalismo, especialmente os que o ameaçaram, despediram e tentaram intimidar e calar. “Alguns deles já foram à falência, outros acabaram na prisão ou desmascarados, mas a maioria continua por aí, a decidir os destinos do país e das pessoas”.
À medida que a leitura de “Ouro, Prata e Silva”, (Suma de Letras, 2019) avança, as semelhanças com Portugal constrangem, servindo-se de um enredo analogamente hábil com um passado recente entre nós.
“De uma coisa o leitor tenha a certeza: mesmo encenando e condensando, a ficção fica muito aquém da realidade quanto ao número de vítimas que este sistema económico e político causa.”
Marcelo Silva, personagem distópica, depois de trabalhar mais de vinte anos como jornalista e estudar economia e criminologia, afasta-se de uma profissão subjugada ao controlo exercido por banqueiros e empresários das mais variadas áreas. Depois de uma temporada a viver em Berlim, regressa a Lisboa para colaborar no combate à corrupção, fazendo-o “não do lado da pena enferrujada, mas do lado da espada afiada”, comandando uma unidade especial de combate ao crime económico.
Num Portugal em saldo, refém da visão interesseira e medíocre de investidores e políticos, a ameaça de falência de um doa maiores banqueiros lança o pânico, ameaças veladas e esquemas complexos de sobrevivência, expondo cumplicidades improváveis entre o Estado e o mundo politico-financeiro.
“A crise chegara e corria calma, empobrecendo o país, mas isso, afinal, não o salvaria. Durante vinte e cinco anos, o ex-presidente da República conduzira o país à falência. E ele, Carmona é que era o criminoso? O Estado cobrava mais de um terço dos ordenados de toda a população, estava a vender o património nacional ao desbarato, e ele, Carmona, é que era o criminoso?”.
Um banqueiro que o país considerara intocável, vários ex-governantes presenteados com cargos relevantes no mundo empresarial, imprensa refém do poder económico e financeiro, uma população acrítica e refém do estatuto social e económico. Facilmente embrenhados na personagem de Marcelo Silva, sentimo-nos a revisitar a última década em Portugal, entrando no mundo da banca, da gestão política e da estrutura social e administrativa.
Miguel Szymanski revela-se hábil no retrato sociológico e cultural, permitindo o contacto com a máquina da burocracia do Estado, “gerida por vários cerebelos e um abrangente sistema nervoso central, que sofre de esquizofrenia e personalidade múltipla, de Alzheimer, Parkinson, artrite reumatóide, osteoporose e um patológico ímpeto perdulário, esbanjador sem limites“. Miguel Szymanski e Marcelo Silva, ambos às voltas com o jornalismo e com a investigação económico-finaceira, num registo que se pressente eivado de veios autobiográficos.
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