Existe dureza na lucidez de Paulo Varela Gomes. Existe beleza e mestria na simplicidade aparente da sua crónica. Mas existe, também, um desalento sensível na forma como olha o rumo dos dias. A verdade dói e Varela Gomes não tem receio em expô-la (e em expor-se). Tanto que, por vezes, nos deixa com um travo amargo sobre o que nos diz, revelando-se. Confidenciando-se. Quase, parece, traindo-se. Outras, não podemos concordar mais e desejamos ter sido nós a fazer aquela denúncia. A erguer a nossa voz.
“Ouro e Cinza” (Tinta da China, 2014) são crónicas que ficam, abrindo com este amor-bicho que a tantos toca: “Foi na Índia que aprendi a prestar atenção aos bichos, à sua alegria, ao seu sofrimento. É na Índia que todos os dias, em condições terríveis, me recordam que pertenço a uma espécie entre outras, apenas isso, nada mais“.
É, “com os olhos” mais abertos e com mais arte, que adentramos n`“este país” e nas influências e memórias “indianas”, para sermos depois conduzidos ao “campo”, terminando com a consciência de que o “tempo” é de empréstimos, e que não é preciso esquecer isso. Aliás, as crónicas selecionadas neste livro têm todas mais de uma década, algumas quase duas, e são extremamente actuais – algumas parecem mesmo premonitórias.
“A obsessão com o clima é um dos sintomas da sensação de perigo iminente que tomou conta de milhões de pessoas (…) Sabemos que aquilo a que chamamos «a Natureza» pode fazer-nos o que nós também podemos fazer a nós próprios: acabar com tudo no meio de indescritível desordem e sofrimento.“
A escrita de Paulo Varela Gomes é um misto de sensações e cenários, que despertam as mais variadas reacções no leitor. Tanto brinca com a situação como, rapidamente, termina com referências que divergem, sem esquecer que quem vive no campo vive as intempéries com outra paixão. E outro humor. Especialmente por ver as suas serras, montes e rios serem escalavrados ao sabor de projectos escolhidos por quem decide, sem ter os olhos postos na linha do horizonte; por quem não sente a “estalada do vento” ou os escapes bafientos dos Datsuns japoneses, que ainda povoam (ou poluem) as estradas secundárias, trepando pelas estradas de macadame mesmo na canícula.
É com estas imagens, autênticas viagens a um Portugal que parece longínquo, que aterramos em terras de monções, onde tigres fazem comunidades de viúvas, as cores falam mais alto e as frutas são mais carnudas, ficando o leitor a sonhar com mangas. Percebemos que a saudade não é uma miragem, antes o tempero para estas e outras estórias que se sobrepõem aos relatos da actualidade, às preocupações e ao medo do tempo que urge, do adeus que se impõe.
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