Foi, no que à poesia diz respeito, uma das edições maiores de 2022 – ainda que, à prestigiada capa dura, se pudesse ter juntado uma maior gramagem interior. “Os Poemas” (Assírio & Alvim, 2022) é a edição praticamente integral da poesia de Paul Celan (Czenowitz, 1920 – Paris, 1970), o poeta da obscuridade. Praticamente porque, por opção editorial, ficou de fora “A Aldeia das Urnas” (1948), a primeira obra publicada de Celan – que o próprio disse estar cheira de gralhas, além de ter torcido o nariz às ilustrações -, bem como, na derradeira secção intitulada Poemas do Espólio, “os poemas da juventude e os poemas escritos em romeno”. Ainda assim, é edição para ser celebrada com fogo-de-artifício.
Poeta judeu com o alemão como língua materna, Paul Celan ficou para sempre marcado pelos trágicos acontecimentos familiares: os pais foram assassinados num campo de concentração, e ele próprio foi condenado a campos de trabalho forçado em 1942, numa geografia a 400 Km da terra natal. Algo que veio a moldar toda a sua obra, como podemos ler no prefácio assinado por Maria Teresa Dias Furtado, também responsável pela tradução dos poemas: “Praticamente toda a sua obra é memorialística, um luto numa atitude de esperança diminuta”.
Outro dos elementos que atravessa a poesia de Celan, a pedra, é apontado pela tradutora “como linguagem em que se pode gravar a memória dos que pereceram, daqueles de que nem sequer restam as suas cinzas”, sendo recorrentes as presenças da amada e de um amigo. Nesta eterna viagem pela obscuridade, habitamos com Celan a natureza, sofremos tormentos difíceis de nomear, recordamos memórias dolorosas ou vivências históricas como o Maio de 68, os campos de concentração ou a bomba atómica.
Para além de um posfácio que se lê como uma espremida biografia, a que não faltam as injustas acusações de plágio que Paul Celan teve de enfrentar, há ainda uma breve apresentação de cada uma das obras por ordem cronológica, de Papoila e Memória (1952) a Reduto do Tempo (1976), que ajudam a situar cada um dos momentos da sua escrita, além de uma extensa bibliografia e uma telegramática cronologia. Para os fãs de Celan, é livro para se fazer a festa.
Na Sirene
Boca no espelho oculto,
joelhos diante da coluna da altivez,
mão segurando o ferro da grade:
estendei uns aos outros o escuro,
nomeai o meu nome,
conduzi-me a ele.
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