No tumultuoso palco da política internacional, personalidades como Donald Trump, Boris Johnson, Matteo Salvini, Beppe Grillo e Viktor Orbán tornaram-se célebres, enquanto nomes como Steve Bannon, Milo Yiannopoulos, Dominic Cummings, Gianroberto Casaleggio e Arthur J. Finkelstein permanecem ainda desconhecidos do grande público. Contudo, importa divulgar as actividades destes segundos e as suas relações com os primeiros, pois eles são aquilo a que Giuliano da Empoli chama “Os Engenheiros do Caos” (Gradiva, 2023), num ensaio tão perturbador quanto fascinante sobre a vaga populista contemporânea.
O livro começa com uma descrição do Carnaval romano de 1787, expondo o lado obscuro desta festividade subversiva: a inversão simbólica das hierarquias implementadas, que permitia ao povo exprimir o seu ressentimento social, degenerava facilmente em violência. Esta introdução revela-se apropriada, na medida em é identificada uma dimensão carnavalesca na vida política actual, patente na inversão dos valores com que são avaliados os líderes, na agitação permanente que os seus propagandistas estimulam nas redes sociais, e na ameaça que tudo isso representa para a democracia:
“Os defeitos dos líderes populistas transformam-se, aos olhos dos seus eleitores, em qualidades. A inexperiência deles é a prova de que não pertencem ao círculo corrupto das elites e a incompetência deles é a garantia da sua autenticidade. As tensões que produzem no contexto internacional são ilustrativas da sua independência e as fake news, que lhes pontuam a propaganda, são a marca da sua liberdade de espírito”.
Segundo o autor, esta mudança de paradigma, responsável pelas principais evoluções geopolíticas dos últimos anos, é indissociável do desenvolvimento tecnológico – em particular, dos algoritmos implementados nas redes sociais, que começaram por explorar a psicologia humana para fins comerciais e se transformaram numa poderosa ferramenta de manipulação do sentimento popular. Os engenheiros do caos descobriram “que a raiva era uma fonte de energia colossal, e que era possível explorá-la para alcançar qualquer objectivo, desde que se compreendessem os códigos e se dominasse a tecnologia”.
A Itália é destacada como caso de estudo, por ter albergado experiências políticas muitas vezes reproduzidas noutras partes do mundo – como o fascismo, no século XX. Foi lá que os engenheiros do caos chegaram ao poder, após fundarem um partido e seleccionarem os repectivos representantes. “Estamos a criar avatares na vida real”, gabou-se um deles. Ao mesmo tempo que o partido reivindicava a expressão democrática por via digital, desenrolava-se na sombra uma guerra pelo controlo dos dados dos militantes, as votações internas decorriam sem transparência no website de uma empresa privada, e ia sendo produzida uma realidade paralela, com as notícias que suscitavam reacções mais intensas a tornarem-se objecto de discursos e iniciativas, enquanto outras, muitas vezes mais relevantes e exactas, eram relegadas para segundo plano, por cativarem menos o público.
Desde então, ocorreram casos dignos de análise em várias partes do mundo, desde a campanha a favor do Brexit às eleições presidenciais americanas de 2016. O autor italo-suíço, formado em Direito e Ciência Política, fundador do grupo de reflexão Volta, apresenta aqui uma investigação notável, e as suas considerações lúcidas, aliadas a um invejável talento para a escrita, funcionam como um abrir de olhos para todos aqueles que valorizam a democracia representativa.
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