Yukihiko Nishino é uma figura bem-parecida, tanto na juventude como em idade mais madura: cuidado, amável e educado, por fim, até com um bom emprego, atributos que sempre fizeram dele um bom-partido. Ao mesmo tempo sempre fora tido como um homem detestável, quiçá porque “pessoas perfeitas tendem a despertar ódio”.
Namoradas e amantes nunca lhe faltaram, quase sempre relações breves, não mais que umas semanas ou meses. De uma forma ou de outra a coisa azedava, especialmente quando descobriam que andavam a ser enganadas, embora nenhuma delas alguma vez tenha tido verdadeira intenção de manter-se ligada a Nishino. “Gordas ou magras, descontraídas ou austeras, bonitas ou exóticas, apreciadoras de peixe ou devoradoras de carne, …”, porque carga de água todas as raparigas acabavam por ter a mesma reacção, como se obedecem a uma lei da física?
Personagem central deste livro, Nishino parecia acreditar que todas as raparigas eram iguais. Todas, a determinada altura, o deixavam, com maior ou menor drama, convencidas de que a reciprocidade do amor estava comprometida. Dez mulheres, dez histórias, dez relações distintas e ainda assim iguais, narrativas de mulheres que ganham voz conseguindo determinar momentos de viragem e de independência. Nishino era envolvente e persistente. Era difícil manter um não, especialmente na fase da conquista, numa ténue fronteira entre a sedução e o abuso. Nishino, com a sua ternura e o seu egoísmo, perdido no seu próprio mundo, “um macho a exercer domínio no meio das fêmeas, à semelhança de um leão marinho”.
Servindo-se de detalhes do quotidiano e privilegiando ritmos e atmosferas, Kawakami coloca-nos em contacto com a diversidade de perspectivas das suas personagens, ao mesmo tempo que consegue preservar nexos de causalidade e coerência entre elas, num livro melancólico, poético e espirituoso sobre o amor, desde a mera tendência amorosa à paixão doentia, passando pelo amor entre irmãos.
Na literatura japonesa, Hiromi Kawakami (nascida em 1958, Tóquio) figura já entre os escritores imperdíveis, para muitos legitima titular de coabitação com o nobel Kazuo Ishiguro, o perfeccionista Yukio Mishima ou o irrepreensível Haruki Murakami. A sua obra compreende livros de não ficção, contos e romances, destacando-se pela abordagem empática e realista sobre a vida e os amores de mulheres no Japão contemporâneo. “Os Amores do Senhor Nishino”, (Casa das Letras, 2021), originalmente publicado no Japão em 1995, chega a Portugal para confirmar o valor da autora e o papel que a literatura de romance tem no retrato social e cultural de um país – no caso, da vida cosmopolita no Japão actual.
Sem Comentários