“Os pés plantados em Israel, o corpo estendido sobre o mar e os braços para a frente, fincados na terra rica do novo continente. E era sobre as nossas costas, sobre as costas dessa ponte que Adam podia atravessar.”
Em “Onde o Lobo Espreita” (Elsinore, 2023), acompanhamos a família Schuster – Lilakh, Mikhael e Adam -, judeus que emigraram de Israel para reconstruírem a sua vida em São Francisco, mas algo acontece que ameaça o sonho americano. Quando o medo transforma a realidade desta família num verdadeiro thriller psicológico, o abismo aproxima-se de tal forma que a América se assemelha a um sítio tão temido quanto Israel e a sua loucura, “porque o que há de mais louco nela é todos estarem convencidos de que é sã”.
Desde cedo, a narrativa ganha uma densidade emocional que se mistura com questões políticas, sociais, morais e raciais, sem esquecer segredos e mentiras que toldam a lucidez da família, temendo lobos a cada esquina, num ritmo e suspense muito bem medidos por Ayelet Gundar-Goshen, que agarra o leitor desde o início.
“Ele na escola. Eu em casa. Mikhael no trabalho. Três rios que não se encontravam até à noite, quando regressavam e se juntavam num mar para um jantar que ora era ruidoso, ora silencioso, e que sempre, sempre decorria num profundo adormecimento (…) Quando tempo dormimos? Quanto tempo andámos, trabalhámos, falámos mergulhados numa sonolência profunda? O terror que o atentado despertou dissolveu-se e foi absorvido pela vida de todos os dias”. Ou assim achava Lilakh, mas um telefonema do filho vai mostrar-lhe que a maternidade é um salto gigante por cima de um muro muito mais alto do que supunha. Um telefonema e a chegada de Uri, que traz consigo uma tensão do passado, o serviço militar, “como se o número de identificação militar tivesse sido impresso na sua carne com ferro em brasa, juntamente com a ordem de sigilo eterno, mesmo vinte anos após a passagem à reserva”.
No entanto, a determinação e preparação militar entrarão de novo nestas vidas, porque o medo também é um ferro em brasa. E, a quente, todos agem como suspeitos. Todos parecem estranhos e assilvestrados.
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