Maria Isaac é o pseudónimo de uma autora com diversas obras publicadas, nascida no norte de Portugal. É escritora, tradutora e colabora em vários projectos editoriais.
“Onde Cantam os Grilos” (Cultura Editora, 2017) é um romance muito doce, talvez por ser narrado na voz de uma criança – o Formiga, pois nunca se vira “coisa mais pequena e escurinha”, que já adulto se apresenta ao leitor no Prólogo do livro.
Trata-se da sua visão da história da família Vaz, proprietários da lendária Herdade do Lago. O narrador foi o bebé que apareceu “dentro de uma cesta de verga, embrulhado num cobertor encardido (…) e nem sequer um papel com um nome”, encontrado pela cozinheira e que, enquanto criança, andava descalço grande parte do ano “para não estragar os sapatos bons”, sabendo “ser discreto e irritante como qualquer insecto que se preze”. Com um ambíguo estatuto na Herdade que constituía todo o seu mundo, não era trabalhador nem era da família, mantendo ainda assim uma devotada atenção pelos senhores D. Leonor, Sr. Vaz e seus três filhos – o que mais gostava de fazer era “ouvir a conversa deles”.
O mistério da sua chegada é apenas mais um na longa história da Herdade e das várias gerações dos Vaz. A Herdade é ela própria uma fonte inesgotável de mistérios fascinantes para a imaginação do rapazinho que é, na altura, uma verdadeira cabeça de vento. O Formiga, baptizado com o nome Baltazar e com o apelido da católica madrinha, a senhora D. Leonor, venera a família Vaz de forma assaz atrapalhada, corre e trepa a árvores, encolhe-se, faz-se invisível, inventa cuidadosamente um pouco de tudo para conseguir acompanhar todas as conversas, descobrir todos os segredos, por saber tudo, sempre mas sempre ansiando por descobrir mais alguma coisa, mas completamente desprevenido para saber lidar com as consequências de tal comportamento.
O último segredo que descobre revela-se demasiado grande para a curiosidade bem-intencionada de uma criança, e um único erro acaba por destruir o único mundo que conhecia, pondo fim à infância de forma trágica. Mais de vinte anos depois, Formiga regressa à Herdade do Lago e escreve para um leitor invisível, relembrando tudo o que foi e o que não deveria ter sido.
Romance muito bem cadenciado e escrito, “Onde Cantam os Grilos” mantém o leitor vigilante e curioso, podendo ter como lema a frase do personagem Padre Manuel: “É dever de cada um de nós viver o melhor e o pior da natureza humana”. Com personagens de grande densidade e algumas delas muito humanas (D.Idalina, Padre Manuel, Fernando e Clara), esta obra denota grande conhecimento sobre a espessura psicológica dos personagens e a grandiosidade/vulnerabilidade de uma família, os seus mistérios, segredos e maldições.
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