“Obrigados a Partir” (Akiara, 2024) é um livro que todos deveríamos ler. Um livro comovente, doloroso, emotivo, forte, revoltante, dialogante, reflexivo e perguntador: como se constrói uma vida? Muda-se de vida porque se quer ou porque se é obrigado? O que separa a legalidade da ilegalidade? Qual o valor de um visto? O que é a dignidade humana? O que é ser imigrante? Seremos todos migrantes? O que significa ser refugiado? Valerá a pena arriscar o desafio de viver uma nova vida? Afinal, qual é o valor de uma vida?
Seis testemunhos de jovens migrantes – como se lê no subtítulo -, contados a seis vozes: por Soly, que veio do Senegal; Helena, que deixou a Bolívia; Said, que teve de fugir da Síria; Ruth, que nasceu em El Salvador; Meriem, que se foi embora de Marrocos, tal como Ossama. Vozes que irão ecoar no leitor mesmo após a leitura. Não é fácil esquecer os testemunhos destas três mulheres e três homens que tiveram de emigrar. Histórias de vida duras – duríssimas -, verdadeiros relatos de superação.
Partiram escoltados pela dor e pela solidão. O itinerário: longo, incerto e tortuoso. Chegaram a lugares onde não conheciam ninguém, e nem sempre o acolhimento e a integração foram fáceis. Múltiplos desafios a vencer: uma nova cultura, uma língua diferente. Formas de estar e de ser muito distintas das suas origens. Nestes árduos trilhos, a palavra fracassar não existe; ou melhor, não deverá existir. Só a breve frase – seguir em frente – faz sentido. Recuar é um vocábulo a evitar. Partilham as suas experiências: como viviam antes, porquê e como se foram embora, que caminhos percorreram e como é, actualmente, a vida nesta nova geografia. São testemunhos vivos de quão duro é recomeçar, que entre si partilham a obrigação de partir.
O cuidado estético desta edição é elevadíssimo. Os depoimentos são acompanhados com ilustrações que ampliam o discurso, a visualização dos caminhos percorridos e de alguns aspectos particulares das vidas dos protagonistas. As imagens, simples mas poderosas, oferecem ao leitor intensidade, norteando o olhar atento em pequenos detalhes de grande significado. As cores quentes das ilustrações transmitem a sensação de energia, de vitalidade, de querer abraçar um futuro melhor: mais digno, mais justo, onde haja uma maior equidade. Precioso, singular e inesquecível, este é um livro para ter por perto e dá-lo a conhecer aos outros.
O texto é de Laia de Ahumada, que a propósito deste livro afirmou: “Enquanto escritora, publiquei aproximadamente duas dezenas de livros, cinco deles de entrevistas a pessoas ligadas ao mundo da espiritualidade, cultura e vida rural, mas ainda não tinha escrito nenhum sobre o mundo da exclusão social. É por isso que este livro é muito especial para mim, porque reúne tudo aquilo que sou e realizo e, acima de tudo, dá voz a pessoas que não são ouvidas por ninguém. E também é um livro singular porque, enquanto o escrevia, fui-me embora de onde estava, à procura de um lugar melhor onde viver. A diferença em relação aos entrevistados é que eu não me vi «obrigada a partir». Simplesmente, parti.”.
A ilustração está ao cuidado de Cinta Fosch: “Como ilustradora, tenho feito desenhos sobre direitos humanos, história, pensamento, informação internacional e mundo contemporâneo, que são, precisamente, os ingredientes que se encontram nas imagens deste livro.”.
A tradução e revisão é de Catarina Sacramento, que não consegue passar muito tempo longe do mar, nem dos seus seres humanos preferidos. Diz-se curiosa e nunca ter saído da idade dos porquês. Acha que o mundo seria um lugar mais triste sem os surrealistas, sem abraços apertados e sem chocolate.
Sem Comentários