“O Tigre” (Alfaguara, 2021) foi o primeiro livro escrito por Joël Dicker, autor que veio a alcançar a fama – e múltiplos prémios – com “A Verdade sobre o Caso Harry Quebert”. Ironicamente, aos 19 anos, quando o submeteu a um concurso literário para jovens, o júri nem sequer o tomou em consideração, por acreditar que não poderia ter sido escrito por alguém tão novo. Eis um exemplo das contradições do idadismo da nossa época, capaz de excluir pessoas de concursos literários por ultrapassarem uma certa idade, ao mesmo tempo que não acredita realmente nas capacidades de alguns jovens.
A obra tem várias qualidades que já indiciavam o talento do autor. O início situa sem delongas a história no tempo e no espaço, prendendo a atenção do leitor: “A notícia correra a capital, São Petersburgo, como um rastilho. Naquele tórrido mês de Agosto de 1903, não se falava de outra coisa”. A razão da agitação é um tigre monstruoso, que espalha a morte pelos confins da Sibéria, prejudicando a nova política económica do czar para esse território. Perante o êxodo da população, os receios dos investidores e a dificuldade em encontrar caçadores dispostos a enfrentar o animal, o czar anuncia uma recompensa magnífica para o herói que consiga matá-lo. Acredita ele que “todo o homem tem o seu preço”. E parece ter razão, pois é só então que surge o jovem protagonista, que vê aí uma oportunidade inesperada de concretizar o seu sonho de “ser rico e famoso em todo o império”.
Ao contrário do que sucede noutras obras do autor, a narrativa progride linearmente, sem saltos cronológicos. Sendo curta – e possuindo um ritmo e um ambiente que fazem lembrar um conto tradicional russo – lê-se num instante, de forma deveras satisfatória. Porém, não se pode afirmar que seja uma obra-prima da juventude, e a leitura ressente-se das expectativas geradas pela divulgação do livro. As personagens secundárias são mesmo muito secundárias, não tendo nada de marcante, enquanto o protagonista é relativamente unidimensional, livre de dilemas existenciais. Mesmo quando se torna difícil distinguir entre predador e presa, a força motriz da sua demanda continua a ser a ambição, que o mantém num estado de desconfiança permanente em relação aos outros, acabando por levá-lo a fazer ainda pior do que aquilo que temia que lhe fizessem, num pico de mesquinhez que nos leva a desejar que o tigre o estraçalhe. Talvez seja esse o ponto mais forte da obra: confrontar-nos com a maneira como a ganância aproxima os homens das bestas.
Ao nível da edição, vale a pena destacar o excelente grafismo, bem como as impactantes ilustrações de David de las Heras, que complementam o texto e são pontuadas por pormenores deliciosos, aos quais vale a pena prestar atenção.
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