Uma colecção de histórias que expõem a nu – e a cru – a crise imobiliária que se vive um pouco por todo o lado e, de forma particularmente agudizada, em Portugal, é a principal linha orientadora de “O Terramoto” (Companhia das Ilhas, 2020), da autoria de Judite Canha Fernandes.
A figura central da história é a idosa Margarida, que se vê na eminência de ser expulsa de uma casa que é tudo para si, forçada por um senhorio rico e superficial. Margarida sempre foi sinónimo de aprumo e sensatez, mas a tensão de se ver cada vez mais perto de ser obrigada a deixar o seu abrigo leva-a a fazer algo que a todos surpreende: fecha-se num armário da casa, armadilhando explosivos e ameaçando que os ativará caso não lhe seja dada a garantia de que poderá ficar a viver em sua casa até morrer.
Mas Margarida é mais do que isto: é alguém que se sente perdida e abandonada por um marido falecido e um filho emigrado. E, também, não é a única personagem que acompanhamos. “O Terramoto” é também um puzzle (embora incompleto) de pessoas, onde umas encaixam nas outras, enquanto outras nem tanto assim. É toda uma miríade de personagens que, num conjunto distinto de individualidades, espelham uma sociedade: uma jovem que larga tudo para remodelar e alugar uma casa herdada nos Açores; um psicólogo que se viu obrigado a largar a sua profissão de sonho para ser guia turístico pelas ruas de Lisboa; uma líder de uma associação de apoio a causas relacionadas com o tema da habitação; uma jovem que, vivendo com os filhos numa “barraca”, vê máquinas a deitarem essa parca guarida abaixo; ou um dono de um restaurante nortenho, que investiu tudo o que tinha (e o que não tinha) para remodelar o seu espaço.
Todas estas histórias acabam, de uma maneira ou de outra, por se entrelaçar, pautadas por estranhas ocorrências que chegam como uma espécie de terramoto, e que levam a que a sociedade e a sua forma de viver se altere.
Inflacção dos preços da habitação, capitalismo desmedido, gentrificação, emigração, crescimento desmesurado do turismo, (ir)responsabilidade social. Está tudo lá.
Sem Comentários