“À medida que envelhecemos, as esperanças são cada vez menos e as mágoas cada vez mais. O grande desafio é lutar contra isso. Evitar que as mágoas nos dominem.”
“O Sr. Wilder & Eu” (Porto Editora, 2022), de Jonathan Coe, é um romance com três protagonistas – o produtor, realizador e argumentista, Billy Wilder; uma jovem anglo-grega, Calista Frangopoulos que, em viagem pela América – e por um acaso -, acaba por conhecer Wilder e Diamond, o seu argumentista de toda a vida, num jantar em Los Angeles que termina de forma algo atribulada; e o cinema, esse artefacto cultural que muito devemos aos irmãos Lumiére, arte poderosa e fonte de entretenimento, capaz de produzir obras estéticas extraordinárias – mas também método de influência e doutrinação.
Com a sua já reconhecida arte, Jonathan Coe consegue a proeza de juntar mundividências de adolescência, amores e sonhos do momento, com história, arte, trauma e resiliência. “O Sr. Wilder & Eu” é, sobretudo, uma história sobre Billy Wilder (1906-2002) que, após mais de 40 anos de carreira no cinema, enfrentava o fim de uma era, resistindo a uma nova maneira de fazer cinema.
Wilder vivia a angústia de criar e a incerteza quanto à aceitação da criação, mesmo dispondo de um histórico de reconhecimento popular e da critica mais especializada. Ainda assim, é a convicção e a preservação da integridade que parecem prevalecer e determinar a luta contra a rapidez do resultado. Repetem-se e reinventam-se cenas e diálogos, argumentos e fundamentos para narrativas que são defendidas, a ferros, de veleidades adaptativas ou apressadas. Integridade e esforço surgem enlaçados na forma de Coe retratar a essência de Wilder e de descortinar, na jovem Calista, algo que se viria a revelar também consistente e duradouro.
A narrativa oscila entre a fase do sonho e da descoberta e a acomodação ou a nostalgia da estagnação, revelando ainda assim, ao género de um epílogo, a capacidade de reinvenção do cineasta nos bastidores, entre actores, actrizes, produtores, argumentistas, cenógrafos, directores e fotógrafos.
O relato começa com uma abertura extraordinária, um verdadeiro portfólio de hipóteses, de transferência da vivência traumática para a representação. A descoberta do amor na juventude e uma gravidez na adolescência, a síndrome do ninho vazio de um casal na meia idade e a estagnação de uma carreira, a diferença entre viver na Europa e nos EUA, a crise no mundo cinematográfico, o poder musical e a expressão de emoções. Um livro sobre a reprodução dos sentidos e das percepções através da arte, na narrativa de um argumento, nas sucessões cinematográficas, no poder de uma banda sonora. Um mundo no qual os silêncios são também melodia.
O realizador britânico Stephen Frears está a preparar “Mr. Wilder & Me”, um filme sobre as dificuldades que o mestre do cinema clássico de Hollywood Billy Wilder enfrentou para rodar, na década de 70, a sua penúltima longa-metragem, “Fedora”. ma oportunidade de homenagear e fazer justiça à integridade da carreira de Wilder que, entre 1960 e 1988, foi – entre muitas outras formas de reconhecimento pela critica e pelo público – sete vezes galardoado com Óscares. Como última curiosidade, refira-se o facto de a primeira parte deste romance ter sido escrita durante uma residência literária de dois meses de Jonnathan Coe em Cascais, referência que o próprio deixa no final.
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