É um dos autores que por aqui mais estimamos, e de que falámos anteriormente em títulos tão surpreendentes como “Segredos na Floresta”, “O peixe que sorria” ou “Noite Estrelada”, onde há sempre a presença de elementos oníricos e surrealistas em ilustrações que dão vontade de recortar e emoldurar.
Licenciado em Belas-Artes, Jimmy Liao teve uma espécie de epifania após 12 anos a trabalhar numa agência de publicidade, quando uma leucemia o levou ao exercício de repensar a vida. Quando recuperou, mandou o emprego às urtigas e dedicou-se a escrever e a ilustrar histórias de forma autodidacta, tendo, desde 1998, publicado inúmeros livros para o público infantil e adulto. A sorte tem sido toda nossa, como poderemos voltar a comprovar em “O som das cores” (Kalandraka, 2019), um livro dedicado “a todos os poetas” que começa, desde logo, com um precioso mantra da autoria de W. Szymborska: “É uma grande fortuna não sabermos com precisão em que mundo vivemos”.
A protagonista deste livro é alguém que se habituou a estar de forma diferente no mundo, num treino que começou e que continua a decorrer nas movimentadas estações de metro: “Agora já estou habituada a andar sozinha, a falar sozinha e a imaginar-me a vaguear sem rumo pela cidade”. Perdeu a visão aos 15 anos de idade, interrogando-se sobre se as memórias que guardou serão, ainda, um espelho da realidade vivida de olhos abertos: “As formas sempre diferentes das nuvens continuarão tão fascinantes?”.
Sempre com a poesia em flor, vivemos a cidade a dois ritmos: o da narradora, que passeia e sonha, e o dos adultos, sempre apressados e de caras dadas à seriedade. Uma narradora que coloca questões sobre o futuro e o mundo, que tantas vezes se parece com “um labirinto sem saída”, numa vida de perdas sucessivas onde pensa naquilo que mais gostaria de rever: a sombra projectada pela torre do campanário. Um livro sobre a solidão e a indiferença, onde há vontade de permanecer apesar do perigo.
As ilustrações, onde há sempre padrões misteriosos e animais à espreita num lugar onde a cidade e natureza convivem numa harmonia frágil, são autênticos quadros, entre o traço clássico, o espírito surrealista e o desejo de experimentação, alimentados a cores vibrantes e pormenores nos quais se atenta depois de várias leituras.
No final deste ensaio visual sobre a cegueira, um poema de Rainer Maria Rilke, que ilustra bem o título escolhido por Jimmy Liao para esta viagem interior e solitária.
Agora já nada me falta,
todas as cores se traduzem
em sons e odores.
E de quanta infinita beleza é a sua música
quando se tornam notas!
Para que preciso de um livro?
Nas árvores o vento folheia,
e eu sei o que ali são palavras
e por vezes repito-as em voz baixa.
E a morte, que arranca olhos como se fossem flores,
já não encontra os meus.
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